Aprovação do Marco Temporal no Senado acende alerta sobre impactos sociais, ambientais e jurídicos, afirma SINTPq
Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo considera a proposta um equívoco constitucional que ignora expulsões históricas, estimula conflitos e fragiliza a proteção do
Por Israel Moreira

Antônio Cruz/Agência Brasil
O Senado Federal aprovou na última terça-feira, 9 de dezembro, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas, decisão que mobiliza o Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo (SINTPq) devido ao profundo impacto jurídico, social e ambiental da medida, que segue agora para análise da Câmara dos Deputados.
A votação da PEC ocorreu em um cenário marcado por disputas institucionais e pressões políticas. O texto recebeu 52 votos favoráveis nos dois turnos e foi colocado em pauta um dia antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre ações relacionadas ao tema. A decisão coincidiu com reações à limitação imposta pelo ministro Gilmar Mendes sobre quem pode apresentar pedidos de impeachment contra integrantes do STF.
A diretora Fabiana Ramos, do SINTPq, afirma que a proposta representa uma inflexão grave na política indigenista brasileira e um ataque à memória histórica dos povos originários. Para ela, a votação ignora expulsões ocorridas muito antes de 1988 e distorce o sentido constitucional do reconhecimento territorial.
"A aprovação do marco temporal é um dos maiores retrocessos legislativos de nossa história recente que ignora expulsões históricas, uma afronta direta aos direitos constitucionais dos povos originários e um crime contra o meio ambiente", explica Fabiana Ramos.
Ela reforça que o critério adotado pelos senadores é arbitrário e incompatível com a realidade das comunidades indígenas. "Fixar arbitrariamente 5 de outubro de 1988 como o marco temporal para a demarcação de terras indígenas é ignorar a própria história do Brasil e a ocupação secular desses povos. A data da promulgação da Constituição Federal não guarda qualquer relação com a realidade de seus assentamentos e a violência sofrida por décadas que os desalojou antes desse prazo. É um critério totalmente descolado da justiça e do direito fundamental e originário que lhes é devido. É uma tese que, na prática, legaliza a violência histórica, intensifica conflitos e beneficia quem se utilizou da força para expulsar várias tribos indígenas de seus territórios."
Fabiana também aponta riscos socioambientais relevantes. "Este projeto de lei fomenta conflitos violentos no campo. Ao fragilizar as demarcações e manter incertezas sobre as terras, ele abre um perigoso precedente que irá estimular de forma desenfreada a grilagem e a superexploração do agronegócio dentro dos territórios tradicionais. Veremos uma expansão agressiva da fronteira agrícola para dentro das áreas de floresta, intensificando o desmatamento, a perda de biodiversidade e o avanço da crise climática. É um apoio à destruição ambiental em nome do lucro para poucos. Nosso sindicato se posiciona veementemente contra essa lei e continuará na luta em defesa dos direitos indígenas e do futuro ambiental do nosso país."
Após acordo entre lideranças partidárias, o Senado aprovou um calendário especial que permitiu levar a proposta diretamente ao plenário, superando o bloqueio que travava sua análise na Comissão de Constituição e Justiça. A PEC, de autoria do senador Dr. Hiran, do PP de Roraima, e relatada por Esperidião Amin, do PP de Santa Catarina, define que apenas terras ocupadas em 5 de outubro de 1988 poderiam ser reconhecidas como tradicionalmente indígenas.
A redação estabelece que terras tradicionalmente ocupadas são aquelas habitadas permanentemente, utilizadas para atividades produtivas, essenciais à preservação ambiental e necessárias à reprodução física e cultural dos povos, respeitando seus usos e costumes. Ao propor a inclusão da tese na Constituição, seus defensores pretendem superar o entendimento do STF, que já a considerou incompatível com o texto constitucional.
Origem da proposta e conflitos com o STF
A PEC foi apresentada em setembro de 2023, dias após o Supremo declarar a tese inconstitucional. Com amplo apoio de setores do agronegócio, a proposta reabriu uma disputa histórica que envolve conflito fundiário, pressão política e interesses econômicos sobre territórios tradicionais.
A tese já havia sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, mas recebeu vetos presidenciais, que foram derrubados em dezembro de 2023. Em abril, o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos judiciais que tratavam da constitucionalidade da lei e, em negociação com o Senado, instituiu uma comissão de conciliação com participação de parlamentares, o que havia pausado a tramitação da PEC.
Na semana passada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, cobrou o avanço da matéria e propôs novo calendário de apreciação. A votação foi retomada no mesmo dia em que o ministro Gilmar Mendes suspendeu trechos da lei do impeachment, reacendendo tensões políticas entre Legislativo e Judiciário.
Próximos passos
Com a aprovação no Senado, a proposta segue para a Câmara dos Deputados. Para o SINTPq, o momento exige acompanhamento atento e defesa firme dos direitos assegurados na Constituição de 1988, com foco especial na proteção das comunidades indígenas e dos ecossistemas brasileiros.











