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Redução da jornada pode ampliar empregos e produtividade no Brasil, aponta pesquisa

Estudo do CESIT/Unicamp indica ganhos econômicos do modelo 4×3, e SINTPq reforça que a redução da jornada é pauta de saúde e luta da classe trabalhadora.

19/12/2025

Por Israel Moreira

 

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Foto: Agência Brasil

 

A substituição da escala de trabalho 6×1 por uma jornada semanal de até 36 horas pode gerar entre 4 e 4,5 milhões de empregos formais no Brasil e elevar a produtividade em cerca de 4,5%, segundo estudo do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. A análise foi conduzida pela economista, pesquisadora e professora Marilane Teixeira, do CESIT, e avalia os impactos econômicos e sociais da adoção do modelo conhecido como 4×3, com quatro dias de trabalho e três de descanso.

O estudo surge como contraponto a projeções de mercado que apontam efeitos negativos para a economia caso a jornada seja reduzida. Algumas dessas análises indicam a possibilidade de retração de até 7% no Produto Interno Bruto, hipótese considerada inconsistente pela pesquisadora. De acordo com Marilane Teixeira, tais previsões partem do pressuposto de que a redução do tempo de trabalho levaria à paralisação da atividade econômica, desconsiderando a reorganização das escalas e a necessidade de novas contratações.

Segundo a economista, a adoção de jornadas mais curtas não compromete a continuidade dos serviços, uma vez que a dinâmica do trabalho em turnos permite a redistribuição das horas e a ampliação do número de trabalhadores empregados. A pesquisadora destaca que experiências internacionais e estudos recentes demonstram que jornadas menores estão associadas a ganhos de eficiência e melhor aproveitamento do tempo produtivo.

Utilizando os mesmos parâmetros macroeconômicos adotados por análises críticas à proposta, o levantamento do CESIT projeta um cenário distinto. A redução da jornada média atual, estimada em cerca de 39,5 horas semanais, para um teto de 36 horas teria impacto direto na produtividade, impulsionada pelo uso de tecnologias já disponíveis e por formas mais racionais de organização do trabalho. Para Marilane Teixeira, a resistência à mudança não se sustenta do ponto de vista técnico e está mais relacionada a disputas sobre a apropriação dos ganhos de produtividade.

 

500 mil afastamentos

Para o Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo (SINTPq), o debate sobre o fim da escala 6×1 dialoga diretamente com a defesa do trabalho decente, da saúde dos trabalhadores e de um modelo de desenvolvimento mais equilibrado. “Muito oportuno o estudo, mas, por mais que pesquisas apontem os benefícios da redução da jornada de trabalho para a saúde mental, os ganhos de produtividade, a qualidade de vida e a geração de empregos, é a luta de classes que determina o avanço dessa pauta. No sistema capitalista, que visa essencialmente à exploração do trabalho, apenas a união e o foco na redução da jornada podem reverter a lógica atual”, afirma o presidente do SINTPq, José Paulo Porsani.

Para a Lucilene Girondi, diretora do SINTPq e coordenadora do Coletivo de Saúde e membra do Coletivo de Mulheres, o estudo do CESIT sobre a escala 6×1 é de extrema importância. “Não podemos mais ignorar os cerca de 500 mil afastamentos anuais por doenças psicossociais em 2024 no Brasil, número que sequer considera fatores como a subnotificação e o adiamento da vigência plena e das fiscalizações previstas na atualização da NR1”, ressalta.

Segundo ela, a manutenção desse modelo de jornada aprofunda o adoecimento da classe trabalhadora. “Manter a escala 6×1 é sustentar uma verdadeira fábrica de trabalhadoras e trabalhadores doentes. A redução da jornada não representa apenas um ganho econômico, mas uma medida urgente de saúde pública para enfrentar o esgotamento mental da classe trabalhadora, com impacto ainda mais severo sobre as mulheres, historicamente sobrecarregadas pelo trabalho de cuidado”, destaca.

Lucilene também endossa a análise da pesquisadora Marilane Teixeira ao rebater previsões negativas sobre a economia. “Concordo com a economista e pesquisadora Marilane Teixeira quando afirma que projeções de redução do PIB em 7% partem de um pressuposto simplista e maquiavélico. Precisamos apoiar os estudos que demonstram os benefícios da redução da jornada, especialmente na melhoria da qualidade de vida e na ampliação de vagas formais de emprego. A ciência econômica mostra que dignidade humana e produtividade devem caminhar juntas”, conclui.

 

Mais estudos

Além dos efeitos produtivos, o estudo aponta impactos significativos sobre o mercado de trabalho. A necessidade de cobrir as folgas ampliadas tende a estimular novas contratações, especialmente nos setores de comércio e serviços, que concentram grande parte das jornadas no modelo 6×1. A estimativa é que milhões de pessoas atualmente na informalidade ou fora da força de trabalho possam ser incorporadas ao emprego formal, com reflexos positivos sobre o consumo e a atividade econômica.

A pesquisa também relaciona a discussão sobre a jornada de trabalho ao agravamento de problemas de saúde mental no país. Dados recentes apontam um número elevado de afastamentos por doenças psicossociais, associados a ambientes laborais marcados por pressão excessiva e jornadas prolongadas. Nesse contexto, a redução do tempo de trabalho aparece como uma resposta estrutural ao adoecimento da força de trabalho, especialmente entre os mais jovens.

Outro aspecto destacado é a dimensão de gênero. Embora as mulheres, em média, tenham jornadas formais menores, elas estão majoritariamente inseridas em setores que operam sob a lógica do 6×1, como telemarketing e comércio em shopping centers. A redução da jornada, segundo a pesquisadora, pode contribuir para uma divisão mais equilibrada das responsabilidades familiares, ao ampliar o tempo disponível também para os homens. Ao analisar o conjunto de impactos, o estudo do CESIT sustenta que a reorganização da jornada de trabalho não beneficia apenas os trabalhadores, mas a sociedade como um todo, ao melhorar a qualidade de vida, dinamizar setores como lazer e turismo e enfrentar de forma estrutural os limites impostos por modelos de trabalho