Como escrever sobre uma cientista sem destacar que ela é uma mulher
Ao se falar sobre a conquista científica de uma pesquisadora, não é preciso destacar o fato de que ela é uma mulher. Também não é necessário mencionar se ela tem filhos, se sabe cozinhar ou qual é a profissão de seu marido. Parece óbvio, mas esses são vícios recorrentes na forma como mulheres costumam ser retratadas pela mídia.
Quem chamou atenção para o problema foi a premiada jornalista norte-americana Ann Finkbeiner, especializada em astronomia. Ela publicou em 2013 uma espécie de manifesto.
Na época, ela se queixou da maneira como o jornalismo científico perfilava mulheres cientistas, ressaltando seu gênero e construindo frases na linha “apesar dos dois filhos e do marido, ela conseguiu conquistar todo esse sucesso profissional”.
De acordo com Finkbeiner, a astronomia já é uma área com pouquíssimas mulheres - nos EUA, 85% dos astrônomos são homens - e dar esse enfoque para o texto só reforça a ideia de que o mais importante sobre aquela cientista brilhante é que ela é uma mulher.
Finkbeiner e Christie Aschwanden, outra jornalista especializada em ciência, criaram o Teste de Finkebeiner, uma espécie de checklist no qual um texto sobre uma cientista mulher precisa passar para fugir do sexismo na hora de descrever estas profissionais.
“A principal característica destes textos é que eles tratam o gênero da mulher como se essa fosse a característica mais definidora dela. [...] E se ela também for esposa e mãe, essas coisas ganham destaque também.”
Christie Aschwanden - Jornalista especializada em ciências
Para passar no teste, o texto não pode mencionar:
- Que a cientista é uma mulher - claro que isso não vale para o uso de pronomes, por exemplo, como “ela”. A ideia é que não é necessário escrever literalmente que a cientista é uma mulher, como se isso fosse algo especial.
- A profissão do marido da cientista, porque isso pouco importa - e artigos sobre cientistas homens não mencionam a profissão de suas esposas.
- Como ela cuida dos filhos, se os deixa com a mãe, com uma babá ou em uma creche.
- Como ela trata seus subordinados.
- Que ela é um modelo para outras mulheres.
- Que ela é “a primeira mulher a…”, uma afirmação que diz muito mais sobre um problema da área científica em que ela está do que sobre as qualificações da profissional em si.
Na internet, há sugestões de acréscimo para a lista, como:
- Mencionar que ela se veste bem, é bonita ou como se maqueia.
- Fala de sua coleção de sapatos, sacolas de compras ou detalhes que possam mostram como ela exibe uma “feminilidade” acidental.
- Descrever quão feminina, fofa, bonita ou sexy ela é “apesar” de sua atuação/sucesso profissional.
Em entrevista ao Nexo, Christie Aschwanden disse que o teste tem como objetivo evitar estereótipos e vieses de gênero na hora de escrever sobre cientistas mulheres.
De acordo com ela, é preciso desafiar jornalistas científicos para que eles escrevam sobre mulheres com foco nos trabalhos que elas desenvolvem como cientistas, não em seu gênero, status de maternidade ou comportamento como chefe de laboratório, por exemplo.
Não se trata de esconder que a cientista é uma mulher, mas de não reforçar estereótipos de gênero, que geralmente busca clichês para satisfazer convenções sociais sobre os papéis que uma mulher deve ter na sociedade mesmo se ela seguir a área científica.
Em 2013, o jornal “The New York Times” foi criticado pelo obituário da cientista de foguetes Yvonne Brill.
“Ela fazia um delicioso estrogonofe, seguia seu marido de trabalho em trabalho e tirou oito anos de folga do trabalho para criar três crianças. ‘A melhor mãe do mundo’, disse seu filho Matthew.”
The New York Times - No obituário de Yvonne Brill, uma das maiores cientistas de foguetes de todos os tempos
O texto foi alterado pelo jornal depois das críticas. A parte sobre o estrogonofe foi retirada, mas o resto foi mantido.
Fonte: Nexo Jornal
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