Notícias | Entrevista: Carlos Neder fala sobre atuação da Frente Parlamentar dos Institutos e Fundações Públicas de SP

Entrevista: Carlos Neder fala sobre atuação da Frente Parlamentar dos Institutos e Fundações Públicas de SP

09/06/2015

A Frente Parlamentar em Defesa dos Institutos e Fundações Públicas de São Paulo foi lançada em 2014 para verificação dos principais problemas e discussão de soluções para as instituições de pesquisa dependentes do tesouro do Estado.

Com a adesão de 25 deputados de diferentes partidos, a Frente promoveu um vasto levantamento. O diagnóstico servirá de auxílio na busca por alternativas que possibilitem o melhor funcionamento das instituições.

Carlos Neder é deputado estadual e atualmente coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Institutos e Fundações Públicas de Pesquisa do Estado de São Paulo. Médico formado pela USP e mestre em Saúde Pública pela Unicamp, Neder exerceu quatro mandatos como vereador na capital paulista e atualmente é deputado estadual pela terceira vez pelo PT.

 Confira abaixo a entrevista.  

 Qual a situação hoje dos Institutos e Fundações públicas de São Paulo?
 
De forma genérica pudemos observar que há um envelhecimento do corpo técnico dessas instituições, tanto de pesquisadores como de trabalhadores de apoio, que decorre da ausência de concursos públicos periódicos. São muitos cargos vagos, indefinições quanto às tabelas de lotação e perfis de profissionais necessários, falta de investimento em formação e risco crescente de perda da memória institucional e do patrimônio desses institutos e fundações. Há uma diversidade de situações no que se refere às condições das instalações, o que interfere diretamente na qualidade dos serviços prestados à sociedade. Constatamos que há obras em ritmo lento, bibliotecas e outros acervos em condições inadequadas de conservação. É como se houvesse um descompasso entre estrutura e recursos humanos, o que a princípio indica uma ausência de prioridade política e de diretrizes claras quanto ao futuro dessas instituições no campo de gestão publica, da ciência, tecnologia e inovação. Importante ressaltar que documentos recebidos por parte de suas diretorias e dos trabalhadores mostram que há compreensão dos desafios colocados no sentido da modernização dessas instituições, mas sem força política para concretizá-los em torno de um projeto que atenda ao interesse público. Recebemos denuncias de forte apelo à venda de patrimônio público e à cessão de campos experimentais para outros usos que não os originalmente previstos para terras públicas a elas destinadas, fato preocupante considerando o interesse crescente da especulação imobiliária em municípios de diferentes portes. Outro indício da perda de prestígio em face da política adotada na atual gestão é a baixa dotação orçamentária destinada a essas instituições públicas de renome. Razão pela qual a Frente Parlamentar realizou eventos para discutir novas tendências de desenvolvimento do Estado brasileiro, suas repercussões em São Paulo, modalidades de gestão pública, novas políticas de recursos humanos e necessidade de financiamento compatível com suas responsabilidades.

Quais são os institutos e/ou fundações com maiores problemas?
 
No caso das fundações, a reeleição do governador Geraldo Alckmin coloca, novamente, na ordem do dia a proposta de fusão e extinção da Fundap e do Cepam. Enquanto isso, outras fundações, como a Padre Anchieta, convivem com crônico problema de financiamento de suas atividades. Diferentemente do que ocorre com os institutos de pesquisa, não há um fórum que articule as inúmeras fundações. Essas se reportam às respectivas secretárias e órgãos a que se vinculam, com maior ou menor grau de autonomia, mas sem a discussão de um projeto comum. Convivem, também, com as chamadas fundações de apoio – privadas, de direito privado -, que vêm sendo progressivamente contestadas pelos órgãos de controle externo ao Executivo. Os institutos de pesquisa, sob diferentes modalidades de gestão e em que predomina a administração direta, articulam-se no Consip e no Concite, embora ambos os colegiados padeçam do fato de terem sido criados por decreto e sem representação dos pesquisadores e trabalhadores de apoio. Dessa forma, embora existam instituições em condições menos precárias, todas se ressentem de uma orientação política desse governo, que gradativamente vai se impondo, no sentido da terceirização e privatização de suas funções primordiais, seja no campo da pesquisa, da produção e execução de políticas, da realização de consultorias a secretarias, prefeituras, câmaras municipais e instituições sociais.
 
A Frente aponta caminhos/ações em prol das fundações e institutos públicos de São Paulo? Quais?
 
Inicialmente, partindo desse diagnóstico, cabe aos deputados e às entidades colaboradoras denunciar como inaceitável essa situação e mostrar que ela atende a uma determinada maneira de ver a reforma do Estado e a relação público-privado. É o caso do Instituto de Economia Agrícola e do Instituto Geológico. Nesses dois casos temos uma incoerência do ponto de vista de sua infraestrutura, uma vez que os dois institutos tiveram sedes construídas para sua atividade dispondo de laboratórios, bibliotecas e coleções de material geológico. Entretanto, foram deslocados de local sem planejamento adequado, com perda de acervos, sendo que os novos locais de trabalho não comportam os acervos remanescentes. Considerando que a atual lógica de gestão deve continuar pelos próximos quatro anos e que a Frente Parlamentar é transitória, defendemos a organização permanente em fóruns próprios dos sindicatos, associações e lideranças interessados no fortalecimento da gestão pública e que o mesmo processo se dê no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, seja por meio de suas comissões permanentes, seja junto ao Instituto do Legislativo Paulista, que a compõe. O cerne da questão é debater os desafios a serem enfrentados pelo Estado no campo das políticas públicas que possuem interface com essas instituições na resolução dos grandes desafios a serem enfrentados no século XXI. Em decorrência, estando organizados nesses espaços, reivindicar participação efetiva nos colegiados de gestão do Executivo e no Legislativo para que as políticas públicas atendam ao interesse público.
 
Qual a constatação da Frente em relação ao corpo técnico das instituições? Há defasagem de profissionais? Quais áreas e/ou instituições mais prejudicadas?
 
A realização esporádica de concursos públicos - em média a cada dez anos ou mais - provoca, como dissemos, um esvaziamento do seu corpo de pesquisadores, de apoio técnico e administrativo. A ausência de um projeto de governo claramente explicitado no sentido do seu fortalecimento e a falta de planejamento estratégico, que envolva o conjunto dos interessados, colaboram para a sensação de abandono e de desprestígio, que substitui o orgulho daqueles que dedicaram suas vidas a essas instituições. Aos poucos se vai formando a compreensão de que a lenta tramitação de projetos que instituem ou atualizam planos de carreira, cargos e salários, os desrespeito aos direitos de pesquisadores e pessoal de apoio, o baixo investimento na formação de pessoal e na melhoria das condições de trabalho, pesquisa e extensão fazem parte de um cenário infelizmente desejado pelo atual governo, em que volta com força a ideia do Estado mínimo, neoliberal, privatizando patrimônio, terceirizando a gestão de políticas e franqueando o acesso privilegiado dos fundos públicos a instituições e grupos econômicos privados que atuam nesse segmento promissor. Processo esse que, se não for contraposto, atingirá mais tarde a todas as instituições, mesmo aquelas que possam parecer preservadas ou prestigiadas em um primeiro momento. Cabe também observar que movimentos haverá em instituições públicas de outras esferas de governo e em que rumo elas seguirão. Por exemplo, a APTA perde pesquisadores e assistentes para a EMBRAPA e universidades, que oferecem condições mais vantajosas. Enquanto isso, seguem indefinidos os papéis de trabalhadores qualificados como os executivos públicos, o Instituto Pasteur não prevê pesquisadores da área de medicina veterinária, em quase todos faltam biblioteconomistas e outros profissionais especializados para cuidar de acervos que exigem manutenção permanente, como bancos de germoplasma, exsicatas, sementes, solos, minerais, etc. Todos esses acervos exigem cuidados técnicos específicos, bem como acondicionamento adequado. Representam a memória destas instituições e, consequentemente, da nossa sociedade.

Como o deputado avalia a participação de entidades colaboradoras com a Frente, como o SINTPq, a APqC e etc. ?
 
As entidades de trabalhadores cumprem um papel importante na Frente Parlamentar em Defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa e das Fundações Públicas do Estado de São Paulo, pois a discussão realizada pela Frente diz respeito a alternativas de reforma administrativa do Estado e, consequentemente, às políticas públicas de planejamento e desenvolvimento do sistema de ciência, tecnologia e inovação. Os corpos técnicos e de apoio às pesquisas que subsidiam as políticas públicas de gestão e ciência mostraram que têm muito a contribuir na formulação de propostas de carreiras, estruturas organizacionais e políticas publicas que apontem para o futuro, respondendo assim a demandas da sociedade. Nossa preocupação foi ir além das questões funcionais e sindicais, envolvendo o conjunto das entidades no debate desses temas. Esses trabalhadores têm acumulo de conhecimento quanto às dificuldades pelas quais as instituições públicas passam e contribuíram denunciando as questões relacionadas a más condições de trabalho, déficit de servidores, ausência de carreira pública adequada para os trabalhadores de apoio a pesquisa e falta de democracia do governo estadual, uma vez que não são chamados a contribuir nesse debate.
 
Como avalia a formação suprapartidária da Frente? Foi importante para interlocução com o governo estadual?
 
A questão tratada pela Frente Parlamentar está vinculada ao desenvolvimento de políticas públicas de Estado, sendo, portanto, de âmbito suprapartidário. Não é possível pensar o futuro dessas instituições sem a compreensão do que pensam a respeito das diferentes forças políticas da sociedade e sua representação no parlamento estadual. Infelizmente, é preciso constatar que a participação dos deputados ficou aquém do desejável, sobretudo considerando que estamos tratando de instituições historicamente importantes para as políticas no âmbito da gestão pública e do desenvolvimento tecnológico. Algumas delas com mais de um século de existência e reconhecidas por suas contribuições no Estado de São Paulo, em outras unidades da Federação e mesmo em outros países. A dificuldade de diálogo com o governo do estado, constatada pelos trabalhadores e suas entidades representativas, foi em parte contornada nas atividades da Frente Parlamentar com a opção de realizar visitas e reuniões nas sedes dessas instituições, bem como eventos que pudessem contar com a presença de autoridades convidadas.
 
A Frente será mantida na próxima legislatura? Se sim, quais as perspectivas de trabalho?
 
As Frentes Parlamentares têm caráter transitório e seus trabalhos se encerram ao término de cada legislatura. Com a posse dos deputados estaduais em 15 de março de 2015 estará criada uma nova situação em que esses desafios irão exigir de todos mais organização e capacidade de luta para angariar apoio político e de opinião pública para a defesa dessas instituições. Atributos que a experiência de uma Frente Parlamentar se mostrou incapaz de oferecer nas atuais circunstâncias. Vem daí a compreensão de que as forças interessadas em um projeto alternativo de mudança e fortalecimento dessas instituições precisam decidir se pretendem criar um fórum próprio que as integre em torno de objetivos comuns, reivindicar a inclusão desse tema em comissão e subcomissão da Alesp e mesmo conquistar um espaço de articulação e de representação permanentes desses interesses junto ao Instituto do Legislativo Paulista (ILP). Para tanto, a participação das entidades colaboradoras, como o SINTPq e a APQC, e do conjunto dos trabalhadores é essencial para acompanhar os encaminhamentos propostos pela Frente Parlamentar e obter novas conquistas.
 
Com a conclusão dos trabalhos da Frente Parlamentar será produzido relatório que sintetize as principais atividades realizadas e sugestões, que pretendemos sejam entregues aos membros do Consip, do Concite, secretários, dirigentes de órgãos e governador do estado. A Frente Parlamentar desde o início apresentou sua disposição para apontar a relevância dos institutos públicos de pesquisa e das fundações públicas para a reforma do Estado no sentido do aprimoramento da gestão pública, do respeito aos direitos dos trabalhadores e do desenvolvimento sustentável, com planejamento, participação e inclusão social. Esperamos que seus apontamentos possam ser aproveitados neste sentido.