EUA também têm responsabilidade na volta do Aedes aegypti, diz pesquisador
A epidemia de microcefalia e outras complicações provocada pelo zika vírus chegou ao hemisfério Norte. Com casos relatados nos EUA e Europa, a doença está provocando alarde na mídia internacional. Barack Obama, presidente dos EUA, já pediu celeridade aos pesquisadores do país para que vacinas e tratamentos sejam desenvolvidos.
O reforço dos norte-americanos no combate a doenças na América Latina é histórico. Os EUA estiveram intimamente ligados à erradicação de doenças como a malária e a febre amarela no Brasil e em outros países latino-americanos. Mas, paradoxalmente, também são um dos motivos pelos quais o vetor do zika vírus, o mosquito Aedes aegypti, voltou a circular na região.
Quem conta essa história é o pesquisador Rodrigo Cesar Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz, em sua tese de doutorado feita em conjunto com a Universidade de Maryland, nos EUA.
Os ricos se voltam para os pobres - mas há um por quê
É preciso retroceder à primeira metade do século 20. Naquela época, os países europeus dedicavam grande parte de seus esforços científicos no combate a doenças tipicamente tropicais porque elas afetavam diretamente suas colônias - e, por consequência, também seus colonizadores.
Direcionar esforços para os países pobres era também uma maneira de proteger a própria população.
Missões da Alemanha e da França vieram aos países latino-americanos para se dedicar ao combate à febre amarela, que provocou centenas de mortes no Brasil.
Em 1928, os EUA entraram na briga - não através de seu governo, mas da Fundação Rockefeller, dedicada a ações filantrópicas. Naquela época, conta Magalhães, a saúde pública mundial era marcada por uma disputa simbólica em demonstrar superioridade com seu modelo. A fundação norte-americana havia chegado com seus laboratórios e demonstrações de avanço tecnológico em países que, tradicionalmente, eram influenciados pela ciência europeia - como no Brasil.
A Fundação se focou em três doenças: febre amarela, malária e ancilostomose. Deixou de lado a tuberculose, que era a que mais matava na época, e se dedicou àquelas cujo combate de campo poderia impressionar mais a população.
Na primeira guerra, o mosquito perdeu
O combate à febre amarela foi o que mais somou recursos da Fundação. A principal forma de combate foi a luta pela erradicação do vetor, o Aedes aegypti, com uma verdadeira operação de guerra. Os agentes uniformizados e rigidamente treinados aplicavam DDT nas ruas e entravam nas casas da população sem pedir muita licença, em uma estratégia tipicamente militar que foi implantada a partir da década de 1930.
A operação foi conduzida por Fred Soper, epidemiologista que acreditava que a única maneira de combater a doença era erradicar completamente o mosquito.
Só no Brasil, seguindo as diretrizes dele, estima-se que 4,7 milhões de residências tenham recebido a visita das autoridades militares à procura de focos de reprodução do mosquito.
Depois da segunda Guerra Mundial, os melhores pesquisadores da Fundação Rockefeller foram para as recém-criadas Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Panamericana de Saúde (Opas). Fred Soper se tornou presidente da Opas e, nela, retomou a operação de guerra contra o mosquito nos países latino-americanos.
Apesar de criticada pelo caráter repressor, que muitas vezes entrava em domicílios contra a vontade de seus proprietários, a ação foi bem-sucedida. Ao longo da década de 1950, o Aedes foi considerado erradicado de países latino-americanos. No Brasil, o último foco foi eliminado em abril de 1955; a OMS reconheceu o país livre do Aedes aegypti em 1958. A operação também exterminou o mosquito em 14 outros países latino-americanos.
Nos EUA, tolerância zero contra o mosquito foi deixada de lado
Os EUA apoiaram a iniciativa da Opas em erradicar o mosquito do continente. “Foi em um contexto de política de boa vizinhança. O país não tinha até aquele momento adotado nenhuma medida concreta”, explica Magalhães. Como a febre amarela não era uma ameaça, o governo americano deixou de lado o combate ao Aedes em seu próprio território.
Mas deveria ter feito isso: os Estados do sul têm condições favoráveis para a proliferação do Aedes. Os países latino-americanos começaram a se queixar e, em um contexto de Guerra Fria, em que era importante para os EUA demonstrar poder (e apoio) no continente, o então presidente John Kennedy iniciou uma campanha interna contra o mosquito.
Mas o estilo autoritário e punitivo do programa implantado nos países latinos não funcionou dentro dos EUA. A repressão foi um componente importante para o sucesso do programa, mas batia de frente com os valores americanos: a população não aceitava a vistoria compulsória em suas casas. “Foi um fracasso total”, lembra Magalhães.
Além disso, havia outra dificuldade logística: sua implantação teria de ser negociada com os governadores em cada Estado. Apesar de ter investido milhões, o governo americano abandonou o programa de erradicação em 1969, sob duras críticas do então diretor da Opas. Desestimulada, a operação de erradicação no continente latino-americano foi abandonada.
O contra-ataque do Aedes aegypti veio pelo Norte
No fim dos anos 1960, países latino-americanos começaram a reportar reinfestação de mosquitos Aedes aegypti em seus territórios. E, desta vez, ele estava mais forte: o uso contínuo de DDT fez com que a espécie se modificasse e se tornasse resistente ao pesticida mais comum.
A reinfestação latino-americana começou pelo México, em 1964, seguiu para Guatemala, depois Cuba, e em 1967, chegou à Colômbia. No Brasil, o mosquito voltou a reaparecer em Belém, no Pará, no final daquele ano.
Uma análise de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, publicada em 2014, um ano depois da tese de Magalhães, mostra que os mosquitos que infestam o Brasil têm duas origens prováveis: o Caribe e a região sul dos EUA. Essa análise, feita com base nos grupos genéticos do mosquito, comprova a tese da reinfestação oriunda do Norte.
Erradicação total ainda não é política pública
Hoje, a política dos EUA em relação à epidemia de zika transmitida pelo mesmo Aedes aegypti tem sido relacionada à proteção de sua própria população. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) orientou que gestantes considerem cancelar viagens para países atingidos pelo zika vírus.
A Organização Panamericana de Saúde diz que todo o continente americano corre risco de infecção, exceto o Canadá e o Chile, por ter um território propício para a proliferação do mosquito.
A recomendação da entidade é o controle do foco de Aedes e o uso de roupas e repelentes para evitar picadas. Hoje o epicentro da doença é o Brasil. O zika vírus está relacionado à microcefalia, condição que leva à má-formação do cérebro e já atinge 3,8 mil crianças brasileiras.
“Hoje não há organização e nem esforço governamental com uma campanha para erradicar o mosquito. Mas isso não significa que o trabalho se tornou inviável”, diz Rodrigo Magalhães, cuja tese foi premiada pela Sociedade Brasileira de História das Ciências (SBHC). “Enquanto não conhecemos mais sobre a doença, o caminho mais fácil de combate é acabar com o mosquito.”
Fonte: Portal Nexo
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