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Falta de planejamento atrasa avanço científico do país, diz físico brasileiro

27/01/2016

Há muitas maneiras de se medir as qualidades de um pesquisador: número de trabalhos publicados, número de citações, colaborações internacionais, formação de alunos, coordenação de projetos, etc. Mas seja qual for a métrica, é praticamente certeza que o nome Paulo Artaxo aparecerá entre os melhores do Brasil — e do mundo.

Referência internacional no estudo de aerossóis atmosféricos (micropartículas em suspensão, essenciais para a formação de nuvens e regulação do clima), o professor-titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo foi recentemente apontado como um dos pesquisadores “mais influentes” do mundo pela empresa Thomson Reuters. Os critérios usados para compor a lista podem até ser questionados, mas a competência de Artaxo como pesquisador é inquestionável.

Tranquilo, sempre atencioso com a imprensa e desprovido da pompa acadêmica que certamente lhe caberia, Artaxo tem 397 trabalhos científicos publicados, com mais de 12 mil citações — uma medida do impacto de suas pesquisas, mostrando que elas são amplamente usadas como referência por outros cientistas. Na base de dados do Google Scholar, que inclui também capítulos de livros e outras publicações (como os relatórios do IPCC, trabalho pelo qual ele compartilhou o prêmio Nobel da Paz de 2007), o número de citações passa de 26 mil; um número impressionante para qualquer cientista, de qualquer país, em qualquer área do conhecimento.

Qual o segredo para tanto sucesso? “Visão de futuro, persistência e muito trabalho”, diz Artaxo, aos 62 anos. Nessa entrevista, concedida na sala do Instituto de Física que ele ocupa há quase três décadas, o professor fala das vantagens e desvantagens de se fazer pesquisa no Brasil.

Qual a receita para ser um cientista de renome internacional no Brasil?

É uma conjunção de fatores. Primeiro, você precisa vislumbrar oportunidades de pesquisa que sejam relevantes para o país no cenário internacional. Por exemplo, eu fiz o meu mestrado em física nuclear, analisando reações fotonucleares de elétrons de alta energia colidindo com núcleos atômicos. Percebi que essa pesquisa não teria uma repercussão tão grande; então, logo no meu doutorado eu me desloquei para uma área da física mais aplicada, associada ao meio ambiente, que naquela época, em 1985, era uma novidade total e completa. Hoje é fácil olhar para essa área e reconhecer sua relevância, mas 30 anos atrás, não era. Então, essa é outra característica importante: Olhar não só para o futuro, mas para o futuro muito longínquo, e saber aproveitar as oportunidades que aparecem ao longo do caminho.

Não existe uma receitinha pronta, mas basicamente você precisa ter visão de futuro, ser persistente e trabalhar muito, porque não é fácil publicar 20 ou 25 papers por ano ao longo de 30 anos de carreira. É algo que requer uma quantidade de suor físico imensa.

Foi uma escolha estratégica da sua parte, então, de pesquisar uma área que o senhor achava promissora, mas que não recebia muita atenção naquela época?

Sim, na década de 1980 as partículas de aerossóis nem faziam parte da agenda científica. O Paul Crutzen (químico holandês, ganhador do Nobel em 1995, com quem Artaxo colaborou no seu doutorado na Amazônia) estava preocupado com ozônio, metano, gases emitidos em queimadas … Eu olhei e pensei: já tem muita gente trabalhando com essa parte de fotoquímica atmosférica, etc e tal. E as partículas? Ninguém olha para as partículas! Elas são relevantes ou não? Eu poderia ter dado um furo n’água e elas não serem relevantes, e eu teria perdido todo meu investimento ao longo de muitos anos. Aí também entra um componente de sorte; você precisa ter sorte na vida, saber aproveitar as oportunidades, fazer as parcerias certas e ter um senso de oportunidade de pesquisa. São questões chave para construir uma carreira de sucesso.

Você precisa ser persistente, acreditar em você mesmo e no produto do seu trabalho, a médio e longo prazo. Se você tiver visão de curto prazo, só pensar no que vai fazer nos próximos um ou dois anos, dificilmente vai chegar lá. Tem que ter uma visão estratégica de ciência de médio e longo prazo. É difícil ter essa visão quando se está no início da carreira, e para isso é importante ouvir as pessoas certas.

Clique aqui e confira a entrevista completa no blog de Herton Escobar