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Médica fala dos impactos da organização do trabalho nos adoecimentos

21/06/2013

lisar a saúde do trabalhador, como resultado de determinantes macroeconômicos  integrados a condições e organização do trabalho e promover ações integradas do Estado para proteger a vida. Esta é a base das ações de Maria Maeno, médica sanitarista que sempre buscou inserção profissional onde pudesse utilizar o seu conhecimento clínico em ações diretamente voltadas à proteção da saúde dos trabalhadores.

No final da década de 1980, acompanhou o início dos diagnósticos de LER (Lesões por Esforços Repetitivos) na categoria metalúrgica. A partir de 1987, passou a fazer parte do pioneiro PST-ZN (Programa de Saúde dos Trabalhadores da Zona Norte de São Paulo), ligado à Secretaria de Estado da Saúde de SP, que consistia em ações de vigilância, com análise de dados, planejamento de intervenção, fiscalização de ambientes de trabalho e avaliação da saúde dos trabalhadores.

Mais tarde, o PST-ZN deu origem ao Cerest/SP (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo), que coordenou por 16 anos. Participou, ainda, de movimentos institucionais e sociais para dar visibilidade às LER como problema decorrente da organização do trabalho, bem como prestou assistência a pacientes de diferentes ramos econômicos, desenvolvendo programas multidisciplinares de diagnóstico, tratamento, reabilitação física e psicossocial. Escreveu, junto a colegas, manuais técnicos publicados pelo Ministério da Saúde. Participou também da formulação da Instrução Normativa 98/2003 do INSS, referente às LER e do atual Protocolo de LER do Ministério da Saúde.

Revista Proteção -
Como a senhora avalia o cenário de adoecimento relacionado à organização do trabalho no Brasil?

Maria Maeno - Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais clássicas, como perdas auditivas, silicoses e intoxicações por metais, continuam ocorrendo. Mas, paralelamente à exposição a fatores físicos, químicos e biológicos presentes nos ambientes de trabalho, aspectos da organização do trabalho têm causado adoecimentos variados e frequentes. A organização do trabalho tem privilegiado essencialmente o desempenho das empresas e sua capacidade de competir no mercado, sem considerar as características do ser humano que nelas trabalha. Para atingir suas finalidades, as empresas têm enxugado ao máximo o seu quadro de funcionários e usam da tecnologia para intensificar o ritmo de trabalho dos que permanecem, estipulando metas inatingíveis e, em muitos setores, individuais.

A pressão exercida para o alcance das metas vinculadas à parte da remuneração variável em todos os níveis hierárquicos tem impacto nas relações entre os trabalhadores, que frequentemente perdem a perspectiva do companheirismo, passando a se ver como adversários. As situações humilhantes para os que não conseguem atingir as expectativas das empresas são cada vez mais frequentes e o risco da demissão é diário. Essas situações conduzem à falta de solidariedade entre os trabalhadores, ao isolamento, à falta de trocas e faz as pessoas adoecerem física e mentalmente. Nos casos em que há uma exigência de movimentos repetitivos, além dos transtornos mentais há o acometimento das estruturas musculoesqueléticas, resultando em tendinites, tenossinovites, compressões nervosas, dor crônica, que são entidades mórbidas enquadradas nas LER.

Proteção - As empresas sabem lidar com este problema? Associam doença ocupacional a questões de organização do trabalho?

Maria Maeno - De regra as empresas não reconhecem que as suas condições não são as ideais para os trabalhadores. É comum afirmarem que `sempre trabalharam desse jeito e nunca houve problema e que um pouco de stress faz bem. Quando ocorre um acidente grave, a tendência não só das empresas, mas até das pessoas que analisam os acidentes de trabalho, é alertar o trabalhador de que `ele não pode ser distraído durante o trabalho, ou que as pessoas têm que ser capacitadas. Porém, a pessoa pode ser capacitada e informada, saber que aquela atividade é perigosa, mas se ela tem obrigação de trabalhar daquela maneira, qual é a sua responsabilidade diante de um acidente, considerando sua posição de subalterno?  A tentativa é sempre de culpabilizar o trabalhador individualmente, e esta não é a saída. Todo mundo se distrai várias vezes ao dia, isso é humano. Não se pode dizer para um ser humano que não se distraia por oito, nove horas ao dia; é irreal.

Outra tendência do empregador ainda é atribuir o adoecimento a um fator externo ao trabalho. Em saúde mental essa tendência é ainda mais acentuada. É comum afirmar que `o funcionário sempre foi estranho, que brigou com a mulher, que o filho tem certo problema, etc. Dificilmente alguém fica doente somente por uma causa. O adoecimento mental do qual estamos conversando não tem causa orgânica. É fruto de um processo de desgaste gradativo, tanto pelos aspectos da organização do trabalho como pela forma de gestão, caracterizada pela pressão, ameaças explícitas ou implícitas, desvalorização do trabalhador, gerando clima de medo, insegurança e baixa autoestima.

Dificilmente  as empresas admitem isso e para enfrentar o problema, acabam optando por soluções `cosméticas`, como ginástica laboral e informações sobre alimentação saudável. Contratam pessoas que falam da qualidade de vida descontextualizada do trabalho, como se o trabalho não existisse na vida. Claro que a alimentação saudável é muito positiva,  mas o ponto que deveria ser tratado deveria ser formas de tornar o trabalho fator de saúde e não de adoecimento. Grandes empresas que possuem, supostamente, programas de qualidade de vida, não têm apresentado uma diminuição nos problemas de saúde, em particular de saúde mental. Nelas, há trabalhadores tanto de baixo quanto de alto escalão adoecendo.

Proteção - Atualmente há políticas públicas em SST sendo desenvolvidas?

Maria Maeno - Nossa luta é para que haja uma política pública que resgate os valores do trabalho, da vida e da saúde do trabalhador. Isto é muito difícil porque existem conflitos de interesses entre os diferentes setores da sociedade. Por um lado, as empresas otimizam seus recursos, precarizam os vínculos trabalhistas e intensificam o trabalho para aumentar a lucratividade e competitividade. Por outro lado, como vimos, os trabalhadores adoecem e oneram o Estado. Não há interesse da maioria deles em trabalhar como terceirizados. Querem continuar sendo celetistas, tendo direito a férias, décimo terceiro, aposentadoria, fundo de garantia, certa estabilidade etc.

No momento em que há conflitos desse tipo, há um único ente capaz de promover uma política pública a favor da classe de menos poder econômico: o Estado. Mas as ações do Estado são resultado das pressões desses diferentes setores e não há equidade entre os setores, pois os com maior poder econômico e donos do capital acabam sendo hegemônicos. Assim, há dificuldade em se definir uma política no sentido da proteção da saúde dos trabalhadores, ainda mais nas questões de organização do trabalho. Não que os empregadores queiram deliberadamente prejudicar os trabalhadores, mas, ao se priorizar o crescimento econômico, coloca-se em segundo plano a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente.

A divisão internacional do trabalho e o modelo econômico do país determinam o mercado de trabalho e a organização do trabalho que atingem diretamente o trabalhador. Tudo é fruto de embates de interesses. Se não tivermos uma visão abrangente, trabalharemos apenas no micro, que tem sua importância, mas não trabalharemos na perspectiva de atingir o macro. Quem tem que tratar desse macro é o poder público, mas atualmente, não temos uma política pública na direção de mudança da situação.