Para cientista, carreira mais flexível é opção à estabilidade do setor público
Um muro da cidade universitária divide cientistas com realidades muito diferentes.
Na USP, pesquisadores com o vínculo empregatício tradicional da profissão no Brasil: funcionários públicos, com salários fixos e tabelados, em carreiras engessadas.
No IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), cientistas que falam em clientes, prazo, taxa de sucesso. Eles são contratados pelo regime CLT, ou seja, não têm estabilidade, e dependem de vendas para saber quanto receberão.
Do orçamento de R$ 150 milhões anuais do IPT, R$ 100 milhões vêm do setor privado.
São projetos como um novo processo de purificação de nióbio para a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Outros trabalhos incluem empresas como Gerdau, Vale e Natura, em áreas de biotecnologia a cimento.
Fernando Landgraf, presidente do IPT, empresa pública pertencente ao Estado de São Paulo, diz que os modelos de remuneração aos cientistas incluem royalties e, cada vez mais, taxas de sucesso.
Neste caso, uma meta é proposta. Aumentar a produtividade de uma fábrica em 25%, por exemplo. Se o pesquisador acha uma solução, leva a grana. Se o ganho é elevado, recebe proporcionalmente.
Ou seja, cientistas assumem parte do risco de falhar. João Batista Ferreira Neto, por exemplo, estima que seu laboratório de metalurgia, no IPT, consegue achar uma solução economicamente viável para cerca de 50% dos desafios que recebe da iniciativa privada.
O modelo, porém, não é unanimidade, diz Landgraf. “Nossa perda de doutores é para a universidade. As pessoas saem porque aqui é CLT – a aposentadoria é a do INSS, e pode acontecer de ser demitido, inclusive por desempenho, não importando que tenha passado no concurso.”
Ele estima que o IPT perde cerca de cinco doutores por ano, de um total de cem, que vão buscar estabilidade. “Vão até para ganhar até menos.”
Ele próprio, aliás, já fez tal caminho. “Após 30 anos de IPT, surgiu um concurso na USP e eu fui. Fiquei quatro anos e voltei para assumir uma diretoria, em 2009. A vida no IPT é pesada. Saí porque estava vendendo mal. Eu desenvolvia aços para motores elétricos. O Brasil produz milhões em aço por ano. Pensei: ‘Se 1% for investido em pesquisa...’. Mas nenhum por cento era investido.”
Matemática
A CLT não é exclusividade de um instituto de pesquisa aplicada como o IPT. No Instituto Nacional de Matemática Pura Aplicada (Impa), no Rio, também é o modelo. Isso porque, desde 2000, o instituto é uma organização social, entidade que recebe verbas públicas via contrato.
Isso permite contratar com mais liberdade. Não é preciso nem falar português. O Impa tem de russo a venezuelano, que teria dificuldades em concursos tradicionais. No Impa, nem precisam ir pessoalmente antes da contratação.
Uma comissão busca recomendações notáveis da matemática mundial. “Queremos que um grande nome diga: esse aí também vai ser grande na área dele”, diz o diretor geral César Camacho. Se a comissão considerar que vale, pode inclusive oferecer a possibilidade de já começar ganhando o teto, R$ 22.300.
Não há estabilidade, embora um “acordo de cavalheiros”, segundo Camaho, faça com que após quatro anos não acorram demissões, como no modelo americano de “tenure track”. Arthur Ávila, ganhador da Medalha Fields que tornou o Impa reconhecido internacionalmente, também é CLT.
Arbítrio
Uma crítica à contratação via CLT é que aumenta o arbítrio. E se o poder de demitir ou a flexibilidade para salários for utilizado politicamente, para beneficiar alguns ou perseguir outros?
No IPT, é possível medir o sucesso de um cientista pelo interesse privado por seu trabalho. No Impa, matemática é área menos sujeita a interpretações. Nenhum matemático diria que Arthur Ávila é um impostor. Se um postulado importante é demonstrado, não se fala mais nisso. Não importa sua opinião sobre as equações de segundo grau.
Pense agora nos economistas Paul Krugman e Milton Friedman. No historiador Eric Hobsbawm e no cientista político Samuel Huntington. Dependendo de quem avalia, são idiotas ou gênios.
Seria em algumas áreas a flexibilidade utilizada para impor um pensamento? (Em alguma medida, já não há isso?)
Landgraf acha que o modelo do IPT não pode ser implementado em qualquer lugar. “Até porque a universidade tem outro papel.” João Batista explica: “No IPT, se você sabe que uma variável é menos importante, você não vai a fundo. Isso fica para o pessoal da universidade. Você quer resolver o problema.”
Landgraf diz ainda que, embora o estilo de remuneração do IPT remeta à iniciativa privada, isso não significa que se deva chutar o governo do processo. “Ciência é investimento de longo prazo.”
É vantagem?
Veja características de cada regime de trabalho
CLT
Pode ser demitido
Aposentadoria pelo INSS (teto de R$ 4.663,75)
Chance de recompensa por alto desempenho
Negociação salarial mais flexível
Estatutário
Tem estabilidade
Aposentadoria integral
Salário inicial pré-estabelecido
Férias e licenças adicionais, dependendo da legislação
Fonte: Folha de S. Paulo
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