Notícias | Entrevista do SINTPq com a vereadora Paolla Miguel traz novidades sobre moradias de 15m²

Entrevista do SINTPq com a vereadora Paolla Miguel traz novidades sobre moradias de 15m²

Mobilização dos movimentos sociais e da oposição na Câmara Municipal de Campinas conseguiu a ampliação do projeto inicial da prefeitura

26/06/2023

No dia 23/06, o SINTPq foi recebido pela vereadora Paolla Miguel em seu gabinete para uma conversa sobre as políticas habitacionais de Campinas

Nas últimas semanas, as notícias sobre a construção de "embriões" de casas, com 15m², em Campinas (SP), causaram grande repercussão e indignação. A obra, que não atende as orientações mínimas da ONU Habitat (Programa da ONU para Assentamentos Humanos), foi a solução encontrada pela prefeitura para a realocação da Ocupação Nelson Mandela. O SINTPq conversou com a vereadora Paolla Miguel (PT), primeira parlamentar a denunciar o caso, para entender melhor a situação.

A vereadora destacou a pressão exercida pelos parlamentares da oposição e pelos movimentos sociais para que as casas fossem ampliadas. Esse objetivo foi alcançado no dia 22 de junho, em audiência sobre o tema, com a prefeitura se comprometendo a apresentar as condições de financiamento para ampliação das residências (de 45m² a 60m²) e a realizar o acompanhamento técnico necessário, conforme nota publicada pela ocupação. Confira mais detalhes na entrevista.

Estamos acompanhando a situação, o que está por trás dessa obra? Os moradores foram realmente ouvidos? Poderia explicar para a nossa categoria?

É importante ressaltar a história do Mandela. O Mandela é uma ocupação em perímetro urbano aqui na cidade que discute o direito à moradia. Eles já estão nessa luta há cerca de sete anos e tiveram um processo de reintegração de posse em uma outra área em que estavam. Na época, foi uma reintegração de posse violenta, onde mulheres, crianças e pessoas com deficiência foram colocadas para dormir na rua pela polícia. Então, eles ocuparam essa outra área na região do Ouro Verde, e lá permanecem até o momento. O juiz fez um pedido de reintegração de posse também nessa área. A prefeitura ofereceu um acordo para essas famílias, que é justamente a construção de um embrião, que agora está sendo chamado de embrião sanitário, em um terreno de 90m². O acordo foi firmado junto à comunidade. Então, a comunidade foi ouvida nesse processo e entendeu como uma vitória essa conquista da moradia, da casa própria. Eles já estão pagando pelos lotes, por essa construção. E a gente teve novidades e reviravoltas nos últimos dias, até o momento dessa entrevista.

Residencial Mandela, no DIC 5, em Campinas, com casas de 15 m², serão entregues para 116 famílias (Foto: Eduardo Lopes/Prefeitura de Campinas)

Você fez uma proposta de vincular o projeto de moradia atual com o Minha Casa e Minha Vida, você poderia explicar melhor? A proposta já foi discutida com o governo federal?

O que aconteceu, na verdade, é que na quinta-feira, dia 15/06, foi sancionado uma ampliação do Minha Casa Minha Vida, que justamente prevê um fundo de arrendamento que seria para a requalificação de edifícios. Isso significa que é um fundo Minha Casa Minha Vida que permite que as pessoas ampliem as suas moradias. Uma linha de crédito e de financiamento, tanto para as novas moradias, quanto para as moradias que já existem. E aí o que precisa ser feito é o município de Campinas demonstrar interesse. Eu conversei com o ministro Alexandre Padilha, que é um importante representante do Governo Federal. Ele me apresentou essa novidade na lei e a gente discutiu justamente a inclusão das famílias do Mandela para que seja garantida a ampliação das casas, porque a gente entende que 15m² é insuficiente para uma família de 7 pessoas morarem em condições dignas. Essa proposta de financiamento, de melhoria, de ampliação, seria justamente para garantir essa moradia digna para essas famílias o mais rápido possível. Então essa vinculação com o Governo Federal viria nessa segunda etapa das construções das casas, das moradias, juntamente para acelerar esse processo e para que essa população tenha esse bem inteiro, e não só um pedaço, o quanto antes. 

Como a população, especialmente a ocupação Mandela, tem reagido ao caso e também às sugestões de vinculação com o programa Minha Casa Minha Vida?

Eu conversei com a comunidade em alguns momentos e eles ficaram bem animados com a possibilidade de ampliação. É um desejo você conseguir ter a sua casa própria o mais rápido possível, um desejo de todo mundo, de conseguir ter a sua casa pensada do seu jeitinho. Então o movimento se colocou disponível para que nós construíssemos conjuntamente com o Governo Federal. Eles mostraram interesse em querer participar também desse novo momento do programa. Não só eles, mas o resto da população também tem visto como sendo uma alternativa muito positiva. Nós, de fato, entregamos moradia para as pessoas, e não só um pedaço de casa. Então tem sido construído com eles, e é muito importante isso, porque eles são os maiores interessados. Eles que estão saindo de uma área de risco, com risco de reintegração de posse, e indo para uma outra área. Mas a gente precisa garantir mais do que o mínimo, porque o que está sendo oferecido é abaixo do mínimo. Eu estou como presidente da Comissão de Direitos Humanos, e segundo algumas diretrizes internacionais da ONU, a moradia que está sendo entregue estaria abaixo das condições mínimas para a população morar. Então lutamos para que eles tenham a garantia dessa moradia como direito por inteiro, e não pela metade.

E sobre a ampliação dos embriões sanitários, você pode falar um pouco sobre as mudanças?

Sim, a gente fez uma pressão muito grande, o nosso mandato teve a iniciativa de fazer uma indicação com a prefeitura para que ela entrasse no fundo de arrendamento para requalificação de edificações, que é justamente entrar no fundo do Minha Casa Minha Vida para ampliação de moradias. Ao mesmo tempo, a prefeitura participou de uma audiência junto com os moradores do Mandela no dia 22/06 na qual anunciou a ampliação das moradias entre 45 e 60m², que é justamente o que defendemos. Nós defendemos a autonomia das famílias,  defendemos que as famílias possam escolher: "essa é a casa que funciona para a minha família, esse tipo de casa não funciona para a minha família".

Quando pensamos no imóvel, escolhemos como queremos o quarto, a sala, e por que essas famílias não têm esse direito? A prefeitura fez essa audiência, foi acordado essa ampliação, e eles vão sair dessa área de risco, que tem um prazo para ser desocupada. As famílias vão para esses embriões e então terá a segunda etapa, que é a de ampliação das moradias. Isso a gente vê como uma vitória dos movimentos sociais, da ocupação Nelson Mandela e também da pressão que nós fizemos aqui dentro do parlamento. Mas essa pressão não pode acabar aqui, temos várias outras ocupações, como o Joana D'arc e a Vila Paula, que estão também numa luta há bastante tempo e precisam de moradias. 

 
 
 
 
 
Ver essa foto no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação compartilhada por Paolla Miguel (@vaipaolla)

Quais são os principais desafios enfrentados pelos movimentos e pelos parlamentares para implementar programas habitacionais?

No Brasil, temos um problema de déficit habitacional muito grande. Aqui em Campinas, são cerca de 40 mil pessoas na fila para a moradia e temos não só o quarto aluguel mais caro do país, mas também o metro quadrado mais caro do Brasil. Então isso está dificultando muito. Precisamos pensar nesse momento pós-pandemia, em que as pessoas ainda estão com dificuldade de renda, de emprego, de pagarem as suas contas. Não é à toa que a gente está tendo o programa "desenrola", que é para as pessoas conseguirem voltar a ter crédito, em um país onde está um juros super alto, maior que os juros internacionais, e o crédito não está rolando. A política de moradia tem sido um grande desafio. Então, quando falamos de moradia social, em Campinas temos muita terra, temos vários terrenos, temos vários espaços urbanos vazios para serem construídos e desenvolvidos, mas o que falta muitas vezes é vontade política. É preciso pensar na população mais vulnerável, mais carente, que está em espaços que não garantem segurança nenhuma. 

O que a gente tem visto são empreendimentos novos de moradia, mas para uma classe média, uma classe média alta, para quem já está estabelecido. Tudo isso resulta nessa situação de uma cidade com cerca de 1.400 imóveis abandonados, que não geram nada socialmente, enquanto temos uma população em situação de rua e em áreas de risco crescendo muito. O aluguel está absurdo e não há nenhuma vontade política de resolver essas coisas. 

Temos estudado muitas iniciativas, aqui no Estado de São Paulo e no Brasil como um todo, até mesmo internacionais, para pensar como podemos criar uma política de moradia adequada que não onere o executivo municipal e sempre tentando abrir um diálogo para que ele faça essas iniciativas. Por isso, estamos nos disponibilizando para fazer a mediação com o Governo Federal, porque ele, de fato, tem programas de habitação que conseguiram transformar a cidade de Campinas. O Governo Federal já construiu 28 mil habitações aqui no nosso município, o que foi um divisor de águas, e hoje a gente tem bairros inteiros que são frutos disso, que mudaram a realidade de muitas pessoas. 

Qual o impacto da especulação imobiliária na luta pela moradia em Campinas e como tem sido a atuação da prefeitura nessa área? 

A especulação imobiliária gera diversos vazios urbanos e imóveis improdutivos e abandonados nas regiões centrais da cidade. Isso resulta numa cidade que diminui a arrecadação de impostos. Campinas é um município que poderia arrecadar muito mais e investir esses recursos em políticas públicas para os mais necessitados. Então, ao meu ver, a especulação imobiliária está aí para fomentar o mercado, o que beneficia somente as classes sociais mais altas e expulsa os mais pobres, principalmente da região central, e coloca na periferia. Muitas vezes até a periferia tem ficado cara demais para se morar e, com isso, as pessoas estão indo para áreas de risco, para ocupações. 

Sem a vontade política para que esses novos empreendimentos sejam também moradias de interesse social, o que nós temos visto é uma crescente não só da população na área de risco, mas também na população em situação de rua. O que se vê hoje são famílias inteiras nas ruas, famílias inteiras que perderam o trabalho, que não têm um benefício de aluguel social alto o suficiente e precisam escolher entre pagar o aluguel ou alimentar os filhos. Sem moradia, as pessoas não conseguem ter atendimento no posto de saúde,  não conseguem emprego, não conseguem pagar uma creche, e isso vai fazendo com que esse problema vire uma bola de neve. A especulação imobiliária tem fomentado tudo isso e cada vez mais expulsado as pessoas da região central e jogado para a periferia.

 

por Suelen Biason - Comunicação SINTPq