Notícias | A Estratégia Nacional de Biotecnologia

A Estratégia Nacional de Biotecnologia

03/02/2010

Por José Paulo Porsani e Joelmo Oliveira*



A manutenção de investimentos públicos e a orientação estatal para a pesquisa em biotecnologia passam pela instituição de uma contribuição obrigatória denominada CIDE-Inovação. A lei 10.168 de 29/12/2000 instituiu uma alíquota sobre remessas para o exterior em operações de importação de produtos tecnológicos. A lei estabelece que esta contribuição seja destinada a financiar o estímulo à interação Universidade-Empresa para o apoio à inovação tecnológica. 
 
Já a lei 10.332 de 19/12/2001 estabeleceu percentuais sobre os recursos arrecadados com a CIDE-Inovação remetendo-os para  o "Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT" atrelando estes percentuais aos setores de agronegócios, saúde, biotecnologia, aeronáutica e "inovação para a competitividade". 
 
Os decretos regulamentadores para cada setor descrito anteriormente criam seus respectivos "Fundos Setoriais". O decreto 4.154 de 07/03/2002 cria o Fundo Setorial para Biotecnologia, o "CT-Biotecnologia". O decreto também estabelece as atividades que podem ser financiadas pelo fundo na área de biotecnologia, assim como estabelece a composição do comitê gestor dos recursos do fundo. 
 
Vale dar nota para o fato de que o decreto prevê, dentre outras modalidades, o financiamento para atividades de "desenvolvimento de tecnologia industrial básica (na área de biotecnologia)", embora esta temática diga muito respeito às discussões acerca do meio-ambiente e desenvolvimento sustentável, não está previsto em seu comitê gestor a presença de representação para o Ministério do Meio Ambiente, apesar de admitir um representante do Ministério da Agricultura. 
 
No sítio do Ministério da Ciência e Tecnologia (www.mct.gov.br) consta que a apresentação do documento "Estratégia Nacional de Biotecnologia - Política de Desenvolvimento da Bioindústria" caberia aos ministros da Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e também pelo ministro da Saúde e pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Mais uma vez estranha-se a ausência de um diálogo com o Ministério do Meio Ambiente e sua presença no aval ao documento e na sua apresentação ao Presidente. 
                      
Uma análise preliminar da "Estratégia Nacional de Biotecnologia"

O documento é organizado em quatro "eixos": saúde humana, agronegócio, saúde animal e indústria alimentícia. Definem-se para cada eixo seus "alvos estratégicos", suas "áreas priorizadas" e suas "áreas de fronteira". 
 
Ainda no início do documento são descritos os parâmetros que conduzirão os detalhamentos supracitados de cada eixo. Assim, os "alvos estratégicos", de acordo com o documento, são aqueles "considerados no âmbito empresarial com grande potencial de mercado num curto e médio prazo, focados na diferenciação de produtos e na inovação, para o desenvolvimento de um novo patamar de competitividade para a bioindústria brasileira, nacional e internacionalmente". 
 
A depreender da subdivisão dos eixos, que abre um espaço genérico para o "agronegócio" como se os eixos denominados "saúde animal" e "indústria alimentícia" já não estivessem voltados para o agronegócio (afinal de contas os trabalhos em desenvolvimento de biotecnologia voltados para a exportação de carne bovina seriam enquadrados no eixo do agronegócio, de saúde animal ou indústria alimentícia? Pergunta similar vale para o suco de laranja: seria agronegócio ou indústria alimentícia?), e da própria orientação para a definição dos "alvos estratégicos", percebe-se uma tendência para centrar esforços de desenvolvimento científico e tecnológico em biotecnologia voltada para o que chamamos corriqueiramente, e com significado bem preciso, de agronegócio. 
 
Esta pré-disposição do "staff" governamental federal para o investimento pesado em desenvolvimento de tecnologias que geram a manutenção de monocultura e de concentração fundiária torna-se um equívoco gritante para um país que tenta livrar-se do rótulo de ser exportador de produtos primários e possuir uma inequívoca "vocação agrícola". 
 
Trata-se de uma política que anda na contramão das tendências de desenvolvimento sustentável, isto porque não entende a biotecnologia como ferramenta que deve estar a disposição prioritariamente da investigação científica da biodiversidade nacional. 
 
O documento não traz uma proposta que evidencie uma tentativa de mobilização da estrutura científica disponível no país visando a solução de problemas nacionais, não cita em momento algum suas relações com o recém-criado Instituto Nacional do Semi-Árido, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, criado em 2005 para atender às demandas tecnológicas dessa região do país, por exemplo. 
 
A política explicitada pelo documento "Estratégia Nacional de Biotecnologia - Política de Desenvolvimento da Bioindústria" mostra-se insatisfatória para atender às enormes demandas de inclusão social que tanto o país necessita. Repete modelos estrangeiros de política científica e tecnológica deixando de observar que todo modelo de política deve guardar suas relações e nexos com a geografia do lugar em que se vai aplicá-la. 
 
Com qual propósito devemos desenvolver biotecnologia? O PT e a sociedade devem fazer o debate, e o Governo deve definir sua política sempre atento às demandas daqueles que o elegeram.
 
*José Paulo Porsani é pesquisador do CPqD e presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Atividades de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado de São Paulo (SINTPQ).
Joelmo Oliveira é físico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron/MCT e diretor de Política de Ciência e Tecnologia do SINTPQ 



A manutenção de investimentos públicos e a orientação estatal para a pesquisa em biotecnologia passam pela instituição de uma contribuição obrigatória denominada CIDE-Inovação. A lei 10.168 de 29/12/2000 instituiu uma alíquota sobre remessas para o exterior em operações de importação de produtos tecnológicos. A lei estabelece que esta contribuição seja destinada a financiar o estímulo à interação Universidade-Empresa para o apoio à inovação tecnológica. 
 
Já a lei 10.332 de 19/12/2001 estabeleceu percentuais sobre os recursos arrecadados com a CIDE-Inovação remetendo-os para  o "Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT" atrelando estes percentuais aos setores de agronegócios, saúde, biotecnologia, aeronáutica e "inovação para a competitividade". 
 
Os decretos regulamentadores para cada setor descrito anteriormente criam seus respectivos "Fundos Setoriais". O decreto 4.154 de 07/03/2002 cria o Fundo Setorial para Biotecnologia, o "CT-Biotecnologia". O decreto também estabelece as atividades que podem ser financiadas pelo fundo na área de biotecnologia, assim como estabelece a composição do comitê gestor dos recursos do fundo. 
 
Vale dar nota para o fato de que o decreto prevê, dentre outras modalidades, o financiamento para atividades de "desenvolvimento de tecnologia industrial básica (na área de biotecnologia)", embora esta temática diga muito respeito às discussões acerca do meio-ambiente e desenvolvimento sustentável, não está previsto em seu comitê gestor a presença de representação para o Ministério do Meio Ambiente, apesar de admitir um representante do Ministério da Agricultura. 
 
No sítio do Ministério da Ciência e Tecnologia (www.mct.gov.br) consta que a apresentação do documento "Estratégia Nacional de Biotecnologia - Política de Desenvolvimento da Bioindústria" caberia aos ministros da Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e também pelo ministro da Saúde e pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Mais uma vez estranha-se a ausência de um diálogo com o Ministério do Meio Ambiente e sua presença no aval ao documento e na sua apresentação ao Presidente. 
                      
Uma análise preliminar da "Estratégia Nacional de Biotecnologia"

O documento é organizado em quatro "eixos": saúde humana, agronegócio, saúde animal e indústria alimentícia. Definem-se para cada eixo seus "alvos estratégicos", suas "áreas priorizadas" e suas "áreas de fronteira". 
 
Ainda no início do documento são descritos os parâmetros que conduzirão os detalhamentos supracitados de cada eixo. Assim, os "alvos estratégicos", de acordo com o documento, são aqueles "considerados no âmbito empresarial com grande potencial de mercado num curto e médio prazo, focados na diferenciação de produtos e na inovação, para o desenvolvimento de um novo patamar de competitividade para a bioindústria brasileira, nacional e internacionalmente". 
 
A depreender da subdivisão dos eixos, que abre um espaço genérico para o "agronegócio" como se os eixos denominados "saúde animal" e "indústria alimentícia" já não estivessem voltados para o agronegócio (afinal de contas os trabalhos em desenvolvimento de biotecnologia voltados para a exportação de carne bovina seriam enquadrados no eixo do agronegócio, de saúde animal ou indústria alimentícia? Pergunta similar vale para o suco de laranja: seria agronegócio ou indústria alimentícia?), e da própria orientação para a definição dos "alvos estratégicos", percebe-se uma tendência para centrar esforços de desenvolvimento científico e tecnológico em biotecnologia voltada para o que chamamos corriqueiramente, e com significado bem preciso, de agronegócio. 
 
Esta pré-disposição do "staff" governamental federal para o investimento pesado em desenvolvimento de tecnologias que geram a manutenção de monocultura e de concentração fundiária torna-se um equívoco gritante para um país que tenta livrar-se do rótulo de ser exportador de produtos primários e possuir uma inequívoca "vocação agrícola". 
 
Trata-se de uma política que anda na contramão das tendências de desenvolvimento sustentável, isto porque não entende a biotecnologia como ferramenta que deve estar a disposição prioritariamente da investigação científica da biodiversidade nacional. 
 
O documento não traz uma proposta que evidencie uma tentativa de mobilização da estrutura científica disponível no país visando a solução de problemas nacionais, não cita em momento algum suas relações com o recém-criado Instituto Nacional do Semi-Árido, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, criado em 2005 para atender às demandas tecnológicas dessa região do país, por exemplo. 
 
A política explicitada pelo documento "Estratégia Nacional de Biotecnologia - Política de Desenvolvimento da Bioindústria" mostra-se insatisfatória para atender às enormes demandas de inclusão social que tanto o país necessita. Repete modelos estrangeiros de política científica e tecnológica deixando de observar que todo modelo de política deve guardar suas relações e nexos com a geografia do lugar em que se vai aplicá-la. 
 
Com qual propósito devemos desenvolver biotecnologia? O PT e a sociedade devem fazer o debate, e o Governo deve definir sua política sempre atento às demandas daqueles que o elegeram.
 
*José Paulo Porsani é pesquisador do CPqD e presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Atividades de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado de São Paulo (SINTPQ).
Joelmo Oliveira é físico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron/MCT e diretor de Política de Ciência e Tecnologia do SINTPQ