Ciência e Tecnologia: o caso Alellyx e CanaVialis
Em 2004 o norte-americano Peter Evans publicou no Brasil o livro “Autonomia e parceria: Estados e transformações industrial” no qual avaliou o crescimento dos setores de Tecnologias da Informação (TI) no Brasil, Índia e Córeia do Sul nos anos de 1970 e 1980. Nesse trabalho, o autor fornece uma visão muito nítida de um quadro que precisa ser rapidamente compreendido por nós que militamos pelo desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Essa visão possui fundamentalmente dois aspectos: o primeiro é que o autor confirma o papel do Estado enquanto agente indutor do desenvolvimento tecnológico nos países em desenvolvimento. Mais que isso, ele defende que somente a partir da atuação do Estado os países da periferia da economia internacional conseguirão construir vantagens comparativas em setores intensivos em tecnologia e, dessa forma, redefinir as bases da divisão internacional do trabalho.
O outro aspecto importante que precisamos estar muito atentos é o processo de ataque que os setores intensivos em tecnologia podem sofrer nos países em desenvolvimento, ataque desencadeado pelo capital transnacional. Peter Evans, em seu livro, utilizou a expressão “o império contra ataca” para se referir ao que aconteceu com os setores de TI tanto do Brasil quanto da Índia e Córeia do Sul após a bem sucedida parceria firmada entre o Estado e amplos setores da sociedade que culminou no desenvolvimento de indústrias nacionais tecnologicamente autônomas e economicamente viáveis no setor de TI.
O que aconteceu nesses três países foi que o Estado como parceiro de setores nacionais interessados no desenvolvimento daquela indústria, acabou sendo preterido no momento em que a parceria logrou sucesso. A parceria com o Estado foi substituída pela parceria com o capital transnacional por iniciativa dos setores nacionais com os quais o Estado inicialmente firmou a parceria. A ´nova´ parceria não possuia nenhum compromisso com o projeto nacional de autonomia tecnológica, ao contrário, a capacidade tecnológica foi perdida e a sinergia do setor desarticulada. Foi isso que aconteceu com as telecomunicações no Brasil.
O país já esteve na vanguarda das tecnologias de telecomunicações no final da década de 1980: desenvolvemos as tecnologias de centrais telefônicas digitais, o cartão telefônico, a produção industrial de fibra ótica, a montagem de satellites, etc. Da experiência do setor de telecomunicações no passado chegamos ao setor de biotecnologia nos tempos atuais. O sucesso da parceria do Estado brasileiro com setores das universidades e do capital nacional, conduziu o Brasil ao seleto grupo de países que dominam as tecnologias na área de genômica aplicada, criando um universo de possibilidades de aplicações comerciais nos mais diversos setores da indústria nacional.
Acontece que a história voltou a se repetir: as empresas criadas a partir da parceria de sucesso com o Estado foram vendidas para o capital transnacional. A notícia da venda da /CanaVialis /e da/ Alellyx/ para a Monsanto, em 2008, foi motivo de crítica do ministro da ciência e tecnologia. Agora, na última semana a Monsanto desmontou os trabalhos históricos da /Alellyx/ para o setor de citricultura brasileiro. Mais de 50 pesquisadores da /Alellyx/ foram demitidos, abrindo caminho para o desmonte de tudo que se conseguiu até agora em termos de desenvolvimento tecnológico e competitividade internacional da citricultura brasileira.
Reformular o marco legal que regula a parceria Estado-sociedade voltada para o desenvolvimento tecnológico de setores estratégicos é demanda legislativa urgente. Tão importante quanto fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico nacional é proteger as iniciativas de sucesso de ataques maldosos do capital transnacional. Que o diga Peter Evans.
Por:
Paulo Porsani, presidente do Sindicato dos Pesquisadores/SP-SinTPq,
pesquisador do CPqD e membro do setorial de C&T do PT
Joelmo Oliveira, diretor de Políticas de C&T do SinTPq,
servidor público e membro do setorial de C&T do PT
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