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O fim do fator previdenciário

31/08/2012

Fonte: Gazeta do povo
Por: Carlos Rodolfo Schneider

Avanço em mão dupla e o “velório” do fator previdenciário 

Enquanto se comemorava a aprovação do Funpresp pelo Senado – iniciativa que pretende equilibrar o tratamento entre trabalhadores dos setores público e privado –, numa demonstração clara de falta de civismo e de desrespeito ao contribuinte, alguns parlamentares ameaçavam prejudicar a sociedade para obter concessões do governo e defender interesses pessoais. Por exemplo, assistiu-se à votação da Emenda Constitucional que regulamenta o teto salarial do servidor na Câmara dos Deputados, vislumbrando remunerações mais robustas aos cargos do primeiro escalão dos três poderes. 

Se, de um lado, há esforços para estancar a sangria gerada pelas atuais regras da pensão por morte, que consomem significativos 2,7% do nosso PIB (R$ 60 bilhões ao ano), por outro, insiste-se no enterro do fator previdenciário como “símbolo de justiça social”, enquanto a economia de R$ 44 bilhões aos cofres públicos (no caso, do INSS) – desencadeada pelo mecanismo desde que entrou em vigor, em 1999 – corre o risco de morrer na praia, apesar da manifesta resistência do governo. 

Mesmo em regime de prioridade, segue indefinido o aval para a extinção do fator previdenciário, proposta de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), na Câmara desde 2008. Primeiro, com votação prevista para o fim de agosto; agora, com perspectivas somente para depois das eleições de outubro. Nos corredores, discutem-se os impactos da reforma para os trabalhadores na ativa, para os que ainda não estrearam no mercado de trabalho e aos que já se aposentaram pela regra em vigor. 

Enquanto parte da plateia apelida o dispositivo em foco como “mecanismo perverso” – responsável por subtrações nos vencimentos de até 40% no ato da aposentadoria –, o governo corre o risco de ser alvo de incontáveis ações na Justiça, com reivindicações dos trabalhadores que se aposentaram com base nas atuais regras. Se extinto o fator previdenciário – cálculo que leva em conta a data do início do benefício, a idade e o tempo de contribuição do segurado, a expectativa média de vida de homens e mulheres (medida pelo IBGE) e a alíquota de 31%, referente à soma da taxa básica de contribuição do empregador (20%) e a máxima do empregado (11%) –, os cofres públicos podem ter de desembolsar mais R$ 10 bilhões por ano para atender à nova prática. 

Para evitar maiores rombos, o substitutivo do então deputado e atual ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, propõe o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria aos estreantes, garantindo que o trabalhador não sofrerá perdas ao se aposentar quando a soma da idade com o tempo de contribuição for igual a 95 para homens e 85 para mulheres. Dizem que o fator penaliza a população, e que – idealizado como desestímulo a aposentadorias precoces – fere a dignidade, mas esquecem de refletir com maior profundidade sobre as fontes de custeio desse sistema em constante discussão e desgaste. 

O fim do fator previdenciário será um revés nas contas da Previdência, comprometendo o ainda acanhado trabalho para disciplinar os gastos públicos. É um vaivém de propostas desalinhadas, onde há esforços para controlá-los, mas para expandi-los também. 

É preciso reparar uma grande injustiça 

Paulo Paim 

Os trabalhadores convivem há mais de uma década com o fator previdenciário, fórmula criada para adiar as aposentadorias do Regime Geral da Previdência (RGPS) e “oxigenar” o sistema, o que não ocorreu. O efeito foi perverso, pois na hora da aposentadoria os seus vencimentos são reduzidos em mais 50%. É um caso único no mundo inteiro. 

A crueldade é tamanha que somente os trabalhadores que recebem até seis salários mínimos, ou R$ 3.732, são atingidos pelo fator previdenciário. Alguma coisa está errada, e muito errada. Já para os trabalhadores dos poderes Executivo, Legislativo (o meu caso) e Judiciário, onde o teto salarial é R$ 27 mil, o fator não é aplicado. 

O fator previdenciário tem de acabar definitivamente, tem de ser riscado do mapa, não deve ser aplicado nem para x, nem para y, pois é inaceitável mexer no bolso do trabalhador que contribuiu para a Previdência uma vida inteira. É tirar, de forma ultrajante, um direito adquirido. É o maior crime cometido contra a classe trabalhadora, em todos os tempos. Por isso é que defendemos uma Previdência universal, com direitos e deveres iguais para todos, sejam da área pública ou privada. 

Parece piada, mas mecanismos do tipo fator previdenciário foram recentemente recomendados pelo FMI, que defende a implementação de tais mecanismos para elevar a idade da aposentadoria para cada ano que a longevidade da população de um país aumentar. E no Brasil ainda há quem bata palmas para isso! Isso é, mais uma vez, o viés econômico tentando atropelar o viés social, pois temos de levar em conta as diferenças regionais, a qualidade de vida de cada país, a real geração de empregos e não a rotatividade, a distribuição de renda ou regras de transição. 

A nossa luta pela derrubada do fator previdenciário é histórica. No momento em que ele foi aprovado, em 1999, apresentamos projeto para extingui-lo e iniciamos uma caminhada de esclarecimentos à sociedade e de conscientização do Congresso Nacional quanto à gravidade do problema. Em 2008, o Senado Federal aprovou o projeto e, desde então, ele está para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados. 

Já o substitutivo que cria a fórmula 85/95, na qual a aposentadoria seria concedida quando a soma da idade e do tempo de contribuição totalizasse 85 anos para mulheres e 95 anos para homens, ainda não é consenso, apesar de ter o apoio de grande parte dos movimentos sociais e do Congresso. Essa fórmula é melhor que o fator previdenciário, pois vai permitir que a mulher se aposente com o salário integral aos 55 anos, e o homem, aos 60 anos – hoje, tanto o homem quanto a mulher têm de trabalhar até os 66 anos para obter a integralidade. 

Ainda em 2008, apresentei uma outra proposta (PEC 10), segundo a qual quem está no sistema se aposenta com 35 anos (homem) de contribuição e 30 anos (mulher). Somente para os que entrarem no RGPS a partir da promulgação da lei é que a idade mínima passará a ser de 55 anos para a mulher e 60 anos para o homem. 

Fato é que a luta pelo fim do fator previdenciário precisa ser encampada por todos, independentemente de pensamento partidário, uma vez que estamos diante de uma questão de justiça social, de respeito e de reconhecimento para com todos os trabalhadores que diariamente contribuem na construção e no desenvolvimento do nosso país. (Gazeta do Povo)