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Transgênicos e OGM´S: status da questão

03/02/2010

Por Joelmo Oliveira* 


Biotecnologia Empírica, Biotecnologia Clássica e Biotecnologia Moderna

O surgimento das primeiras tecnologias ligadas ao manejo de plantas e animais são anteriores a própria invenção da escrita.  De fato, a chamada biotecnologia já estava presente no ato de selecionar sementes para o plantio, na verdade no próprio domínio das primeiras técnicas de plantio, estava presente na escolha dos melhores animais para a reprodução e no cruzamento de espécies.  Essa biotecnologia confundia-se em alguns momentos com a própria cultura dos povos, determinava o calendário de plantios e colheitas, determinava o calendário das festas, associavam-se deuses e demônios às propriedades dessas e daquelas ervas. É no mínimo curioso perceber que foi um monge católico que lançou os fundamentos científicos do que se passou a chamar de biotecnologia clássica. Gregor Mendel iniciou em 1856 seus bem conhecidos experimentos com ervilhas, publicando em 1865 um artigo intitulado "Experiments with plant hybrids" onde sugere pela primeira vez a hipótese da existência dos "genes" como unidades básicas onde as características das plantas seriam depositadas e transmitidas no processo de reprodução. Esta hipótese somente seria plenamente confirmada com os avanços da química e da física no século XX. 

Os experimentos de Mendel abriram caminho para a biotecnologia moderna ou engenharia genética, pois se descobriu mais tarde que havia uma molécula que guardava todos os genes de um indivíduo, essa molécula é conhecida pela sigla DNA.  Em 1973, Paul Berg realizou experimentos nos quais utilizava as propriedades químicas de certas proteínas para recortar seqüências de genes do DNA de uma espécie qualquer e introduzi-las no DNA de uma outra espécie, sejam essas espécies animais ou vegetais.  A técnica criada por Berg é conhecida como técnica do "DNA-recombinante", sua técnica funda a biotecnologia moderna, também chamada de engenharia genética. 

 A diferença fundamental entre a biotecnologia clássica (Mendel) e a biotecnologia moderna (Berg) jaz no fato de que com a técnica do DNA-recombinante torna-se possível mesclar características genéticas de seres vivos dos reinos animal e vegetal. Com a biotecnologia moderna é possível realizar trocas genéticas entre animais e plantas, o que somente é possível com a ação humana. 

Paul Berg foi agraciado com o prêmio Nobel de química em 1980 pela invenção dessa técnica.

É importante saber que o DNA é o responsável pela codificação de todas as reações químicas que vão dar origem as mais diversas substâncias presentes em um organismo. Qualquer modificação no DNA de um organismo implica na modificação do elenco de reações químicas possíveis de ocorrer em seu metabolismo, uma modificação genética indesejada pode induzir a produção de toxinas ou pode mesmo inibir a produção de substâncias importantes para o metabolismo do organismo.  Dentre muitas das aplicações práticas da biotecnologia moderna destacam-se aquelas nas quais um determinado organismo é modificado geneticamente com o propósito de fazê-lo produzir substâncias que possuem propriedades de interesse. É comum, por exemplo, encontrar pesquisadores tentando criar plantas que produzam inseticidas "naturalmente".  

Alimentos transgênicos: uma aplicação polêmica da biotecnologia moderna 

Diz-se Organismo Geneticamente Modificado (OGM) aquele que teve sua seqüência de genes no DNA alterada por meio da técnica do DNA-recombinante. Trata-se, pois, de uma definição legal. Vale dizer que existem outras técnicas capazes de introduzir modificações genéticas em seres vivos. Juridicamente os alimentos transgênicos são OGM´s porque foram assim obtidos a partir da técnica do DNA-recombinante. Esta técnica, como vimos, consegue introduzir modificações na seqüência genética do DNA de um ser vivo com certo grau de precisão. No entanto, esta precisão não é absoluta, daí o início de todo o debate técnico-político que cerca o assunto. A questão fundamental é: existem riscos/perigos à saúde decorrentes da ingestão de alimentos transgênicos? A resposta é sim. Inicialmente vale dizer que a intensidade do debate chegou a tal ponto que se tornou necessário definir com precisão os significados das palavras "risco" e "perigo" (FAO-ONU), o que mostra o grau de comprometimento da questão mais importante que é a segurança plena quanto à ingestão desse tipo de alimento. Os riscos envolvidos na ingestão desses alimentos estão relacionados ao "potencial alergênico" (risco de alergias) e ao aumento de produção de toxinas.  A imprecisão na introdução da seqüência de genes no DNA pode provocar alterações genéticas que induzam o OGM a produzir substâncias tóxicas que não produziam antes ou mesmo induzindo o OGM a produzir toxinas em maior nível do que o normal. As alterações nutricionais são também riscos que podem decorrer da modificação genética de um organismo destinado à alimentação humana, pois temos aqui a possibilidade de alterar a produção de componentes nutricionais. Existem diversas outras possibilidades de riscos à saúde que podem se apresentar na ingestão de alimentos oriundos de OGM´s. Não existem testes que sejam capazes de cercar todas as possibilidades de riscos, o que limita sobremaneira a possibilidade de executar com eficiência o que os defensores dos alimentos transgênicos chamam de "avaliação de riscos". 

Avaliação de Riscos 

A avaliação de riscos é uma etapa exigida para a liberação do consumo de alimentos transgênicos. A avaliação do risco de consumo de um produto derivado de transgenia envolve etapas como a identificação e caracterização dos riscos envolvidos e o posterior "manejo" do risco. A questão que fica aberta é justamente quanto à impossibilidade de quantificar a precisão com que se deu a modificação genética introduzida no OGM. Em outras palavras, até onde não se modificou outras características dos organismos originais que não deveriam ser alvo de modificação? Que novas substâncias poderão ser produzidas pelo OGM devido à modificação genética? Quais técnicas poderão identificar tais substâncias já que não se sabe "a priori" quais serão estas substâncias? Percebe-se assim a complexidade que envolve um adequado manejo de riscos, já que se torna difícil a identificação plena desses riscos.  

O princípio utilizado em processos de avaliação de riscos relativos à alimentos transgênicos é o da "equivalência substancial". O conceito da equivalência substancial é introduzido no documento "Safety evaluation of foods produced by modern biotechnology - Concepts and principles" elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).  Vale lembrar que a OCDE é uma organização que congrega primordialmente países da União Européia e EUA, o Brasil é somente membro observador da OCDE. Em linhas gerais, a equivalência substancial consiste na comparação química genérica entre alimentos derivados de modificações genéticas e seus similares convencionais.  O conceito estabelece que se um alimento convencional for considerado equivalente substancial de um derivado da biotecnologia moderna, então este último poderá ser considerado seguro. A simplicidade do conceito contrasta com a complexidade da situação. Apesar de ser o conceito mais empregado no momento de se realizar as avaliações de risco para alimentos transgênicos, não são poucas as críticas lançadas sobre ele. A mais contundente repulsa a tal conceito foi formulada em 1999 por Erik Millstone, Eric Brunner e Sue Mayer em artigo publicado pela revista Nature intitulado "Beyond Substantial Equivalence". Neste artigo os autores afirmam que a idéia de que a simples equivalência química entre alimentos convencionais e geneticamente modificados utilizada pelos comitês regulatórios nos EUA e Europa (principais membros da OCDE) não tem base científica. E avançam afirmando que o conceito da equivalência substancial serve muito mais aos interesses das indústrias alimentícias ligadas à agricultura de transgênicos do que aos interesses dos consumidores. É neste ponto que o debate técnico (político também...) se encontra. Vários outros artigos “científicos” foram publicados a partir de 1999 com o propósito de desconstruir a contestação de Millstone, Brunner e Mayer, nenhum com tanta repercussão e tanta precisão de argumentos. A força do capital ligado à produção de alimentos transgênicos está impondo seu “lobby” e modificando legislações para sua aceitação em diversos países. No Brasil, não podemos vacilar no combate à proliferação dos alimentos geneticamente modificados. 


*Físico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e diretor de Políticas de Ciência e Tecnologia do Sindicato dos Trabalhadores de Pesquisa em Ciência e Tecnologia de São Paulo.