FUSP demite duas trabalhadoras após licença-maternidade
Casos reacendem debate sobre direitos das mães no mercado de trabalho e práticas discriminatórias pós-licença
Duas mulheres foram demitidas pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP) logo após retornarem de suas licenças-maternidade, entre dezembro de 2024 e junho de 2025. Elas pediram para não ter suas identidades reveladas. Uma foi dispensada menos de uma hora após voltar ao trabalho, ainda dentro do período de estabilidade garantido por acordo coletivo. A outra foi desligada no dia seguinte ao fim dessa estabilidade. Ambas tinham entre 17 e 21 anos de serviço na Fundação. Uma delas estava em tratamento contra depressão pós-parto.
Uma das trabalhadoras contou que retornou antes dos 30 dias de férias, ansiosa por retomar a rotina. “Eu queria voltar logo, normalizar meu benefício, sair de casa. Já estava enlouquecendo. Tava bem animada, apesar de preocupada, porque o clima no setor era tenso.” Ela chegou à FUSP às 6h30 da manhã, mas se deparou com um ambiente estranho: sua estação de trabalho havia sido realocada, sua cadeira estava com outra pessoa, e não houve acolhimento por parte da chefia.
“Foi uma colega quem deixou um papelzinho de boas-vindas na minha mesa. A gestora não falou nada. Quando chegou, só me deu um 'E aí, tudo bem?'. Minutos depois, ela saiu cochichando com o gerente. Logo fui chamada para a sala de reunião. Quando vi a gestora do RH, já entendi o que ia acontecer”, relatou. A justificativa apresentada foi de que ela “não havia se adaptado ao setor”. Ela contesta. “Como não me adaptei, se eu estava ali há quase cinco anos? Se quisessem, teriam me realocado. O que doeu foi isso. Foram mais de 20 anos de dedicação. Servi essa fundação com tudo o que eu tinha. E me descartaram como um peso.”
Ela também destacou o ambiente hostil vivido por mães na empresa. “A FUSP tem benefícios, tem história, mas tem um setor doente. A maternidade lá é vista como um problema. Já ouvi de chefia que licença-maternidade era uma ‘folga prolongada’. Não fazem ideia do que é passar por uma gestação, parto, pós-parto, cuidar de um bebê e ainda manter a cabeça no lugar. Eu estava tomando medicação, lidando com ansiedade, tentando dar conta. E ainda assim organizei os projetos antes de sair. Me dediquei. Mas ser mãe pesa. Eles acham que a gente tá em casa descansando.”
A Constituição Federal, no artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), garante estabilidade à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Ambas as trabalhadoras tiraram férias logo após a licença, o que, segundo a jurisprudência atual, estende a estabilidade até o fim das férias. O acordo coletivo da FUSP amplia essa proteção. Ainda assim, uma das mães foi demitida no mesmo dia do retorno, e a outra no dia seguinte ao fim da estabilidade.
Para a secretária sindical Dandara Carvalho, especialista em direito do trabalho, casos como esses, embora classificados como “sem justa causa”, configuram uma forma de violência contra mulheres em situação de vulnerabilidade. “A mãe que retorna de licença está tentando equilibrar os desafios da maternidade com a vida profissional. Ao ser demitida logo após o retorno, ela não apenas lida com a insegurança financeira, mas também com a exclusão. O mercado penaliza mães. Há uma ideia absurda de que filhos comprometem a produtividade. Isso é machismo institucional.”
Dandara afirma que leis importantes já existem, mas a mudança depende de uma nova cultura organizacional. “O que as mulheres precisam é de ambientes que acolham e incentivem a maternidade, não que a tratem como obstáculo. A demissão de uma mãe recém-retornada é um recado claro: não queremos você aqui. Isso precisa mudar, e vai demorar se a pressão não vier das próprias trabalhadoras, com apoio de sindicatos e da sociedade.”
Apesar das garantias legais, essas demissões expõem a fragilidade da proteção às mulheres no ambiente de trabalho, especialmente durante a maternidade. “Presenciar o desligamento dessas mães de forma tão cruel e desumana traz um recado direto para todas as mulheres trabalhadoras: será que posso ter vida além do trabalho? Será que posso viver a maternidade enquanto profissional nesta Fundação? Quais serão as minhas garantias? Que direitos terei respeitados? Terei que escolher não viver o gestar ou gestar com medo?”, questiona Sheyla Camargos, trabalhadora e dirigente sindical da FUSP. Ela conclui: “Ações como essas mostram nossa vulnerabilidade. Por isso, o sindicato é essencial. Sozinhas somos frágeis, juntas somos resistência.”
Casos semelhantes podem ser denunciados ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que aceita relatos — inclusive anônimos — pelo site www.mpt.mp.br. A Defensoria Pública oferece assistência jurídica gratuita a pessoas em situação de vulnerabilidade. Coletivos de mães trabalhadoras e movimentos feministas também oferecem escuta, orientação e mobilização coletiva.
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