Por que a telefonia de São Paulo apaga. Vamos comprá-la de volta
22/09/2009) tem o prazer de publicar texto do amigo navegante Virgilio Freire.É uma singela homenagem a Fernando Henrique Cardoso, o pai desse privatização descontrolada, que colocou um serviço público essencial na mão de empresários que fazem o que bem entendem.
O que faz a Anatel ?, por falar nisso…
A publicação deste artigo é também uma homenagem a ao engenheiro civil Zé Pedágio, “economista competente” – clique aqui para ler “Quantos diplomas tem o Serra ? Nenhum” -, que privatizou a saúde pública de São Paulo e vai, proximamente, vender o ar encanado do “Vale do Anhangabaú” ao Departamento Ambiental da Unversidade de Harvard.
Por que o Farol de Alexandria, o campeão do neo-liberalismo brasileiro, o rei da dependência, não copiou a Margaret Thatcher ?
Está na hora de retomar a Telefônica por Virgílio Freire*
- No final da década de 1990, sob a influência de Margareth Thatcher, Ronald Reagan e Wall Street, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu privatizar tudo que pudesse, e na sua lista o item mais importante eram as telecomunicações. Por dar a máxima importância ao assunto, colocou seu melhor amigo e principal colaborador, Sérgio Motta, no Ministério das Comunicações, com a principal missão de privatizar a Telebrás. A idéia corrente na época era de que o Estado não tinha condições de investir nem de ser um bom administrador de empresas. Este conceito mostrou-se falso na última década.
- Antes de prosseguirmos, é importante, muito importante, destruir um mito. O de que a antiga Telebrás e suas subsidiárias eram incompetentes, ineficientes, lentas, burocráticas e incapazes de prestar os serviços de telecomunicações necessários exigidos por uma sociedade moderna. Mostrarei por que isto não é verdade.
- A Telebrás tinha sede em Brasília, e atuava através de subsidiárias, uma em cada Estado brasileiro. Estas operadoras, todas, sem exceção, tinham lucros consideráveis todos os anos. Os balanços anuais da Telebrás e de suas subsidiárias estão nos arquivos dos jornais, da Anatel, do Ministério das Comunicações, e confirmam isso. Com estes lucros, a Telebrás e suas empresas poderiam facilmente investir, implantar novos sistemas e instalar milhões de telefones para os brasileiros. Os recursos, na época, eram da ordem de bilhões de dólares, nada inferiores aos valores que as operadoras privadas “investem” atualmente (voltarei a este tema mais adiante).
- Durante os governos militares, entre 1964 e 1974, nestes 10 anos, a Telebrás teve grande autonomia de ação, pois os generais e militares que governavam o Brasil viam as telecomunicações como um setor estratégico para o desenvolvimento e a defesa. Quando entrei na Telesp, subsidiária da Telebrás em São Paulo, em 1973, não havia necessidade de concurso público: a empresa admitia seus funcionários através de um Departamento de Recursos Humanos, como qualquer outra organização, com base em testes, entrevistas, comparação entre candidatos etc. Nosso orçamento era administrado pela própria Telesp e pela holding, a Telebrás, e inteiramente gasto e aplicado dentro do sistema de telecomunicações.
- Quando entrei para a Telesp, o Brasil todo tinha 3 sistemas de micro-ondas – um ligando o Rio a São Paulo, outro ligando São Paulo a Campinas e um terceiro ligando o Rio a Brasília.
- Os militares criaram um fundo para que o sistema de telecomunicações pudesse expandir-se e manter-se financeiramente robusto. Era uma taxa, cobrada em todas as contas telefônicas, chamada FNT, ou Fundo Nacional de Telecomunicações. Por lei, este dinheiro, que era de bilhões de dólares, deveria TODO ser aplicado na expansão, ampliação, manutenção e operação das telecomunicações do Brasil.
- Estes recursos foram aplicados de forma ética e profissional por um grupo de jovens profissionais vindos da universidade na década de 60, engenheiros acima de tudo, gente com pós-graduação na França, nos Estados Unidos etc., e orientados por engenheiros militares – homens sem qualquer orientação ideológica, mesmo naquela época da Guerra Fria. Entre os anos de 1968 e 1978 o Brasil passou de apenas 3 ligações de micro-ondas para uma rede de torres com altura de até 100 metros, cobrindo desde Manaus a Porto Alegre, de Corumbá a Natal. Dezenas de milhares de quilômetros de micro-ondas, interligando o País. Implantou-se a Discagem Direta a Distancia, que hoje é considerada corriqueira, mas, antes da Telebrás, para se falar com outra cidade tinha de ser através da telefonista.
- A Embratel, encarregada dos troncos de longa distância, mandou seus engenheiros especializarem-se no Japão, Estados Unidos, França, Itália. Assim, os recursos do Fundo Nacional de Telecomunicações foram usados da forma prevista em lei, e eficientemente.
- Ocorre que nos últimos governos militares, ou seja, dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, e posteriormente já sob a presidência de José Sarney, que somam 16 anos (note bem, 16 anos), a Telebrás viveu sob uma série de limitações e restrições. Foi a época da hiperinflação, em que em apenas um dia a moeda brasileira perdia mais de 1% ou 2% de seu valor. Em um ano a inflação era de mais de 1.000%.
- O ministro todo-poderoso na época dos militares era o hoje deputado Antônio Delfim Netto. O Brasil havia contraído pesadas dívidas com bancos estrangeiros, e havia uma enorme pressão do governo americano, do FMI e do Banco Mundial para que esta dívida fosse paga dentro do prazo. E não conseguíamos. Todos os anos renegociávamos a dívida. Deixávamos de pagar, atrasávamos os pagamentos. Delfim, então, criou um “Fundão”. Ilegal, mas na época nada que os militares e seus amigos resolvessem era ilegal.
- Delfim determinou que os recursos de todos os fundos setoriais, como era o caso do Fundo de Telecomunicações, fossem diretamente depositados no Fundão, e que não fossem mais aplicados nos setores respectivos. Então, a partir da década de 1980, a Telebrás foi forçada a renunciar aos enormes recursos do FNT e colocá-los no Fundão. Mas a coisa ficou ainda pior. Delfim criou um organismo chamado Secretaria de Controle das Estatais (Sest). A função desta secretaria era administrar as estatais. Literalmente.
- Então, também a partir dos anos 1980, a Telebrás, todos os anos, elaborava seu orçamento de investimentos e de gastos em operação para o ano seguinte, e seu presidente era forçado a ir negociar estes números com a Sest. Nesta última, quem mandava eram os jovens economistas discípulos de Delfim Netto, preocupados apenas em pagar a famosa dívida externa, e sem nenhuma sensibilidade para um conceito mais amplo e estratégico de desenvolvimento da infraestrutura do País, em estradas , transportes, ferrovias (sucatearam toda a rede ferroviária do Brasil) e telecomunicações.
- Então, a Sest analisava os planos da Telebrás apenas do ponto de vista econômico, e ainda assim com a estreita visão de verificar o quanto a Telebrás poderia contribuir para a redução da dívida externa – não comprando equipamentos importados, não gastando em pessoal etc. O nível de controle central e de opressão da Telebrás chegava ao ponto de que qualquer reajuste de salários tinha de ser aprovado pela SEST, qualquer aumento no número de funcionários da Telebrás tinha de também ter sua aprovação. Os gastos com operação, com pessoal, com equipamentos, os investimentos em novos sistemas, tudo tinha de ser aprovado pela Sest.
- Pense um pouco no martírio que é para uma empresa de alta tecnologia, que tem de atuar num mercado ágil e em contínua mudança, ter de solicitar à Sest aprovação para aumentar o número de funcionários de 50.356 para 51.896, por exemplo – não estou exagerando, estes fatos ocorreram. Nós, executivos da Telebrás, estávamos constantemente frustrados pela camisa de força da Sest, e impedidos de reagir contra ela – até porque o presidente da Telebrás era um general (muito íntegro, respeitado por todos, mas nenhum general descumpre uma ordem superior).
- E ainda ficou pior. Uma vez aprovado pela Sest quanto a Telebrás podia investir, era necessária a aprovação do Congresso Nacional. Permitam-me insistir – a Telebrás, em determinado ano, lucrava US$ 4 bilhões. Propunha à Sest investir em novos sistemas US$ 2 bilhões, por exemplo, a fim de atender à demanda telefônica, que não era atendida. A Sest fazia seus cálculos cabalísticos e informava à Telebrás que só poderia investir US$ 1 bilhão – o restante iria para ao pagamento da dívida externa. A Telebrás obedientemente investia apenas o autorizado, e a demanda ficava não atendida, as pessoas frustradas, revoltadas, porque devido a esta limitação artificial de recursos e ao fato de não dispor mais do dinheiro do FNT, os prazos para receber uma linha telefônica nova eram de 2 ou 3 anos. Repetindo: a Telebrás tinha dinheiro e não a deixavam gastar. O sistema telefônico estagnava, e a culpa era atribuída erroneamente à nossa empresa de telecomunicações.
- O orçamento de investimentos já drasticamente reduzido pela Sest era então submetido ao Congresso, que fazia novos cortes. E enquanto o Congresso não aprovasse, a Telebrás não podia investir sequer o que a Sest havia autorizado.
- Essas eram as condições de governança da Telebrás. Apesar de seu porte, de ser lucrativa, de ter um mercado ávido, de possuir recursos financeiros e humanos, era impedida de trabalhar como uma empresa, e forçada a funcionar como uma repartição pública. Os governos civis mantiveram o Fundão, mantiveram o controle da Sest, e a Telebrás continuou engessada, para frustração do público e dos profissionais que nela atuavam, e que queriam atender às necessidades em telecom do Brasil.
- Criou-se então, propositalmente ou não, a imagem de que “o Estado não sabe administrar”. Pelo visto acima, não era uma questão de ser ou não administrada pelo Estado e sim de ter liberdade de funcionar como uma empresa. Na mesma época, a Petrobrás era dispensada destes controles, ou, se os havia, ela os ignorava, e continuou expandindo-se, no Brasil e no exterior. Prosseguiu nas pesquisas de extração no mar, assinou parcerias com outros países etc. Já a Telebrás foi ficando cada vez mais desmoralizada, por se submeter aos cortes e à perda de seu fundo de expansão.
- Era a década de 1980, e a moda eram as privatizações na Inglaterra feitas por Margareth Thatcher, era a implantação do “Modelo Competitivo” nos Estados Unidos. Ambas as ideias mostraram-se inadequadas e ambiciosas demais. Margaret Thatcher vendeu as ferrovias, as estradas, as telecomunicações, tudo. Ainda durante seu governo houve pelo menos 4 grandes acidentes ferroviários, consequência de má administração nas ferrovias privatizadas. Já nos Estados Unidos, a filosofia ultracapitalista da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), a Anatel americana, era de que, se fossem vendidas licenças para que outras empresas concorressem com as telefônicas do Grupo AT&T, também chamado Grupo Bell, a concorrência seria benéfica para o consumidor. Venderam então licenças para operar sistemas de telefonia fixa, celulares, de longa distância. A concorrência nunca decolou.
- Após mais de 20 anos, as novas operadoras não haviam conseguido mais do que 10% do mercado. Simplesmente porque a ideia é inviável. Imagine-se que o governo deseje implantar “concorrência” no sistema de fornecimento de energia elétrica. Venda uma licença para operar a distribuição de eletricidade. A empresa ganhadora da licença teria de fincar milhões de postes, lançar milhões de quilômetros de fios, para poder chegar na sua casa. Evidentemente seria impossível investir tudo isso e ainda ser lucrativa. O mesmo ocorre em telecomunicações, com raras exceções. É impossível a real competição, porque já existe uma operadora com uma rede imensa de cabos e fios, de sistemas, e quem quiser concorrer vai ter de investir bilhões de dólares, com retorno duvidoso. Por isso a competição não funcionou nos Estados Unidos, nem na Europa, e nem no Brasil.
- Aqui, então, surfando na ideologia mundialmente aceita na época de que o Estado é mau administrador e de que “a competição é sempre benéfica para o consumidor”, o governo de Fernando Henrique Cardoso decidiu fazer o que a Inglaterra havia feito – vender a operadora estatal de telecom e abrir licenças para competidores. Com a venda dos ativos estatais, o governo recebia dinheiro para terminar de pagar a dívida externa, e com a venda de licenças para outros concorrerem no mercado de telecom, também recebia polpudos recursos para aplicar onde quisesse. E, teoricamente, quem comprasse a Telebrás iria usar seu próprio dinheiro para investir e melhorar as telecomunicações no Brasil.
- Vendeu-se então a Telebrás, dividida em quatro partes – a Embratel, que tinha todo o sistema de longa distância e de transmissão de dados, e a telefonia fixa local agrupou-se em três empresas: uma em São Paulo, a Telesp, outra cobrindo o Sul e o Oeste, e uma terceira cobrindo o Nordeste desde o Espírito Santo até o Amapá.
- No caso de São Paulo, venceu o leilão a Telefónica de España. Grandes esperanças, grandes comemorações. Mas logo uma nova realidade desabou sobre a Telesp. Chegaram os espanhóis. Inicialmente colocaram um espanhol “grudado” a cada gerente brasileiro. Em seguida demitiram os brasileiros. Hoje não existe na atual Telefônica, ex-Telesp, ninguém com mais de 10 anos de casa. Toda a memória profissional da empresa foi perdida.
- Implantaram desde o início a famosa mesa de compras, uma instituição de caráter financeiro extremamente prejudicial à própria Telefônica – mas o sistema vinha sendo usado na Espanha, por que não no Brasil? Consiste do seguinte: a empresa faz uma concorrência, como é normal. Convida cerca de 5 a 10 participantes. Uma análise de preços é feita, bem como uma analise técnica. Escolhe-se o vencedor, com o menor preço e a melhor proposta técnica. Normalmente o processo de compra terminaria aí, com a assinatura do contrato e implantação do sistema. Mas na Telefônica é diferente.
- O processo vai para a mesa de compras, na qual os executivos são remunerados em função dos descontos que conseguem. Chamam a empresa vencedora, e comunicam (sim, não negociam, comunicam) que se o vencedor não der um desconto de, por exemplo, 20%, nada feito, o contrato não será assinado. A empresa escolhida preparou a sua proposta com base em dados de custos, de mercado, prevendo certo nível de compras, certo número de homens-hora de profissionais etc. É obrigada a aceitar a redução imposta pela Telefônica, assina o contrato, o espanhol da mesa de compras fica mais rico com um enorme bônus, e o usuário brasileiro é o único prejudicado. A fim de conseguir implantar o sistema pelo novo preço, agora drasticamente reduzido, o fornecedor tem de fazer cortes.
- Reduz a qualidade do material, a qualidade da mão-de-obra, reduz a confiabilidade dos sistemas, enfim, adapta sua proposta ao que vai receber. E assim a Telefónica foi ao longo destes últimos 10 anos expandindo as telecomunicações no Estado de São Paulo, da forma mais barata possível, e com baixíssima qualidade e confiabilidade.
- Mas pelo menos os espanhóis investiram, trouxeram dinheiro da Espanha, verdade? Infelizmente, não. A Telefónica de España não enviou de Madri um único euro para investir no Brasil. Todo o investimento feito aqui pela Telefônica usou receitas obtidas aqui mesmo. Ou seja, quem pagou os investimentos – mal feitos – da Telefônica foi o consumidor brasileiro – e os bancos brasileiros, principalmente o BNDES. Veja bem, vendemos a Telesp aos espanhóis, estes usaram nosso dinheiro para investir e obter lucros enormes que mandam para a Espanha. Além disso, criaram um enorme desemprego no setor – a privatização da Telebrás colocou na rua em dois anos nada menos do que 200 mil pessoas. Sim, 200 mil profissionais foram dispensados. Para dar lugar aos espanhóis ou para fazer economias que no futuro iriam cobrar um pesado preço sob a forma de péssimo serviço e falhas no sistema.
- A Telefônica terceirizou tudo que foi possível, começando pelo atendimento. Vendeu o setor de atendimento à empresa espanhola Atento, de propriedade da Telefónica de España. Note: de propriedade da Telefónica de España. Ou seja, a Telefônica Brasil compra os serviços da Atento, paga pelos serviços, a Atento lucra com eles, e remete seus lucros diretamente para Madri. Terceirizou manutenção de prédios, operação dos sistemas, manutenção, tudo. Os projetos são feitos pelos fornecedores, a engenharia idem. Não existe na Telefônica, hoje, um grupo de profissionais de telecom. Ela é nada mais do que a marca. O resto é de terceiros. E mais uma vez feito de forma impositiva e leonina, pois os fornecedores que implantaram os sistemas são chamados e informados de que terão de tirar os defeitos, operar, manter etc. O fornecedor faz seus cálculos, usando o número adequado de homens, de veículos, equipamentos de teste etc. Apresenta uma proposta, e a mesa de compras exige -mais uma vez – enormes descontos. O fornecedor tem de ceder, mas de novo reduz o número de pessoas, de veículos, de equipamentos, reduz a qualidade da mão-de-obra, faz cortes drásticos para poder cumprir o contrato e ainda ter lucro.
- Neste ponto cabe uma pergunta: como pode a Telefônica imaginar que um determinado serviço que ela anteriormente fazia com mão-de-obra própria ser feito por outra empresa, que irá obrigatoriamente colocar uma margem de lucro, e ainda assim ficar mais barato do que se a operadora o fizesse? Não há lógica.
- Não se terceiriza jamais o contato com o cliente. É por isso que as empresas aéreas não terceirizam pilotos e aeromoças. Seria inimaginável. E, no entanto, fomos levados aceitar como normal que um atendimento para uma reclamação de defeito numa rede de altíssima tecnologia seja feito por uma mocinha que não tem nenhum vinculo com a Telefônica, nenhum interesse em realmente resolver seu problemas, que não tem a mínima ideia do que é o sistema, que foi treinada como um autômato para burocraticamente anotar a reclamação e passar adianta. Cujo tempo de atendimento é rigidamente controlado e não pode superar 90 segundos. Que mesmo para ir ao toalete tem horários determinados. Tudo para que Madri tenha mais lucros.
- No último trimestre o faturamento da Telefônica na Espanha caiu 4,2%, enquanto na América Latina cresceu 4,8%. Traduzindo: os cortes de pessoal no Brasil, as economias e cortes de custos que provocam panes e apagões, ajudam a aumentar o lucro da Telefônica no mundo. Quem sustenta a empresa somos nós, latino-americanos, e não os espanhóis. Sabe por quê? Porque na Espanha ela não poderia tratar o cliente da forma que faz aqui. O governo espanhol imediatamente trocaria toda a diretoria da empresa.
- Mas então, cabe a pergunta: se a Telefônica veio para o Brasil para atender ao Estado de São Paulo, não investiu recursos próprios, é campeã de reclamações no Procon, tem um histórico de falhas, defeitos e panes inédito em todo o mundo, o que ela está trazendo de positivo para o Brasil? Não traz dinheiro, não traz know-how, piorou os serviços.
- Pare um instante, leitor, e honestamente responda: no dia de hoje, quem é melhor administrada: a Telefônica em São Paulo ou a Petrobrás?
- Quiséramos nós que as telecomunicações em São Paulo tivessem o mesmo nível que a extração, o refino e a distribuição de combustíveis. Logo, não é verdade que “o Estado não sabe administrar”. Mesmo com alguma interferência política que sabemos existir, a Petrobrás é eficiente, respeitada aqui e lá fora, e não sofre de apagões de combustível.
- Apenas para reforçar o argumento, e o Banco do Brasil? É estatal e luta no mercado bancário em condições de igualdade, dá lucros enormes e ninguém acusa a diretoria do BB de ser inepta devido ao fato de a empresa ser estatal.
- Então, esta ideia de que empresa estatal é por definição lenta, obsoleta, com gente preguiçosa e ineficiente, é uma inverdade. Temos de olhar a realidade, sem ideias preconcebidas, e reconhecer que o mundo mudou, Marx está morto, mas o capitalismo selvagem também, e que temos de ser criativos e repensar alguns conceitos. E algumas decisões do passado.
- Nessa linha, olhando o que a Telefónica de España fez no Brasil nos últimos 10 anos, parece-me que fica claro que não fez nada melhor ou nada mais do que a própria Telebrás teria feito se tivesse a liberdade de que sempre gozou a Petrobrás. Se tivéssemos mantido a Telebrás e a liberado para investir seu próprio dinheiro, hoje teríamos uma empresa poderosa, eficiente, brasileira, e certamente atuando com competência no exterior, como é o caso da Petrobrás.
- Chegou a hora. Vamos aproveitar o momento de transformações por que passa o mundo, o novo status que o Brasil ganha, e o péssimo nível dos serviços da Telefônica, para comprá-la de volta, colocá-la em mãos brasileiras, com gente que tome decisões com base no cliente brasileiro e não com base em aumentar os lucros que manda para Madri. O Brasil todo irá aprovar. Poucos sabem, mas a Telebrás ainda existe, não foi extinta, permanece como que “em estado de hibernação”. Tem sede em Brasília, com meia dúzia de funcionários que cuidam principalmente de comunicações governamentais.
- O contrato de concessão assinado pelo governo brasileiro com a Telefônica, no Capitulo XXVIII, trata da extinção da concessão. Podemos a qualquer momento informar aos espanhóis que nossa paciência se esgotou, que temos gente igual ou melhor do que eles, e que queremos as telecomunicações de São Paulo de volta. Compramos a empresa de volta. Definimos uma forma suave de pagamento. Colocamos gente nossa, do Brasil, comprometida com nossa sociedade, para administrar a empresa. E garanto que os apagões nunca mais se repetirão.
- Se você acha que este artigo tem lógica, divulgue a ideia. Hoje, enfrentar a gigante espanhola pode parecer um projeto de difícil implantação. Mas Gandhi também tinha um projeto enorme, a liberdade de seu país, e começou com um partido de um homem só. Também Martin Luther King. Se nós quisermos, nós conseguimos.
* Virgílio Freire é engenheiro de telecomunicações, consultor sênior, ex-funcionário da Telesp, ex-presidente da Lucent Technologies no Brasil, da Nortel e de outras empresas.
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