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Quem paga o pato é a galinha

Retirar aves do Parque da Água Branca (SP) atende a interesses comerciais da concessionária

15/02/2024

Várias autoras* 

Quando o governo do estado de São Paulo, ainda na gestão João Doria, anunciou que abriria processo licitatório para a concessão dos parques estaduais, começou a voar pena. Oferecer parques públicos à iniciativa privada, obrigatoriamente, determina à vencedora do certame obter lucro de um bem público com função social, cultural, ambiental e para a saúde pública inestimáveis.

Quando esse parque é absolutamente único em suas características históricas, de aspectos rurais, a complexidade e nível de cuidado por parte do Estado é maior. Tais características são intrínsecas ao poder público e antagônicas aos interesses privados. O que constatamos no Parque da Água Branca antes da concessão foi Doria desmontando o que havia no parque para facilitar a gestão empresarial da vencedora do leilão.

Antes da licitação, o então governador, no meio da pandemia, retirou a Cavalaria da Polícia Militar, desmontou o Museu Geológico Valdemar Lefrève (Mugeo), fechou o Espaço de Leitura, transferiu o Fundo Social de São Paulo (Fussp), o Sistema Único do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco), o Acessa São Paulo, o Instituto Beneficente Nosso Cantinho do Água Branca e abandonou a manutenção dos edifícios.

Tombado em 1996 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e, em 2004, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), o parque teve todo o seu conjunto arquitetônico protegido, mas, em especial, suas características culturais e históricas, que compreendem nossas maiores riquezas, como a Área de Proteção Permanente (APP) e todos os animais, que nas últimas décadas sempre circularam livremente.

São mais de 2 600 espécies de aves entre galos, galinhas de diferentes tipos e d'Angola, patos, gansos e até pavão, além de 52 gatos e um aquário do Instituto da Pesca. A APP, repleta de olhos d'água e nascentes, sempre foi uma das regiões onde os animais permaneciam boa parte do tempo. Livres, exceto as que precisavam de cuidados especiais, as aves sempre deram vida à totalidade do Parque da Água Branca, localizado no centro da megalópole paulista, servindo como um espaço terapêutico para quem vive em meio ao ritmo frenético de uma das maiores cidades do mundo.

Imagens do parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo

Nem toda criança tem acesso a áreas verdes com animais livres. Poucas cresceram na roça ou viajam aos finais de semana e nas férias para sítios —e o parque sempre foi um espaço de encantamento para quem está descobrindo o mundo. Um espaço de interação com pintinhos amarelinhos e patinhos ao redor de suas mães.

Desde 2016, o processo de desmonte do parque veio tirando seu brilho e, em 2022, quando a Reserva Novos Parques Urbanos assumiu a concessão por 30 anos, em um contrato único incluindo os parques Villa-Lobos e Cândido Portinari, o Água Branca perdeu parte de sua identidade tombada. Para piorar, uma portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), de 2023, com recomendações a respeito da gripe aviária, ofereceu o subterfúgio que a concessionária precisava para mudar drasticamente o parque e prender todas as aves em dois espaços pequenos, sem água corrente, sombra suficiente e abrigos comparáveis aos que são oferecidos em todo o complexo.

Prendendo todas as aves, abre-se o caminho para executar planos não aprovados pelo conselho e que não respeitam o Plano Diretor de criar nichos restritos aos animais, denominados de "fazendinhas", incluindo porquinhos-da-Índia, como se fosse um parque temático privado. Prender os animais também significa diminuição de trabalho, equipe, limpeza, manutenção e corte de custos na planilha do balanço que precisa dar positivo durante os 30 anos dessa concessão descabida.

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Agora, a concessionária explicita sua intenção de doar mais da metade das aves, o que foi recusado em novembro por estas conselheiras. Prender todos os animais facilita, e muito, a locação dos edifícios tombados a terceiros para abrir bares e restaurantes nos moldes de uma praça de alimentação de shopping, a céu aberto, voltado para uma casta abastada, com renda para custear pratos a R$ 100 e um coco a R$ 15. Por estar localizado a cinco minutos do Terminal Rodoviário da Barra Funda e servido por linhas de ônibus no portão da avenida Francisco Matarazzo, o parque é acessível a toda população da cidade.

O objetivo da concessionária é evidente, e o zelo do poder concedente tem se mostrado frouxo e permissivo. No final do dia, quem paga o pato? As galinhas e toda a população que sempre frequentou esse bem público tombado e enxerga, a olho nu e com tristeza, seu amado Parque da Água Branca perdendo o encanto.

*Texto por: Regina de Lima Pires, Maria Laura Fogaça Zei, Jupira Cauhy, Sonia Porto, Conselheiras do Parque da Água Branca Cláudia Lukianchuki de Lacerda

Ex-conselheira do Parque da Água Branca