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Em entrevista, presidente do SINTPq avalia primeiros 100 dias de governo Lula

José Paulo Porsani destacou melhorias importantes, mas também defendeu que a população siga pressionando o governo e o congresso por mais avanços

12/04/2023

Na segunda-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completou 100 dias de governo. A comunicação do SINTPq conversou com o presidente do sindicato, José Paulo Porsani, sobre esse marco e suas considerações até aqui. Na avaliação de Porsani, o presidente conseguiu retomar pontos importantes para a ciência e tecnologia que haviam sido desamparados ao longo dos últimos quatro anos.

Entre as pontuações feitas, estão o reajuste das bolsas de mestrado e doutorado, que estavam congeladas há mais de sete anos, e a autorização de um novo concurso público para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Além disso, o presidente do SINTPq destacou a visita da ministra Luciana Santos, do MCTI, à cidade de Campinas, no fim de março. Na ocasião, Porsani pôde dialogar com a ministra sobre questões importantes para os trabalhadores do setor.

Evidentemente, há áreas que precisam ser aguçadas. Porsani pontua a necessidade de o governo estabelecer uma discussão sobre uma contrarreforma trabalhista. Além disso, segundo o presidente do SINTPq, outras pautas ainda precisam ser articuladas junto ao congresso, como a reforma tributária, o arcabouço fiscal e a necessidade do desenvolvimento do país através de investimentos em setores como educação, saúde e ciência.

Na avaliação de Porsani, algumas outras medidas auspiciosas foram tomadas, como a retirada de empresas do programa de privatizações e o enfrentamento ao Banco Central e a política de juros. O presidente do SINTPq disse ainda que, diante de seis anos de destruição total das políticas públicas do nosso país, os 100 dias de governo Lula deram passos importantes para recuperar a dignidade do povo brasileiro. Mesmo assim, Porsani defende que o movimento sindical e o povo de modo geral permaneçam ocupando as ruas, pressionando sempre o governo e o congresso nacional por maiores avanços.

• Como você avalia os 100 dias de governo Lula na questão da ciência e tecnologia, em especial no tocante às instituições que recebem recursos públicos?

Os 100 dias do governo Lula na área de ciência e tecnologia resgataram um pouco do papel do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Primeiramente, tivemos o reajuste das bolsas, que estavam sem reajuste há mais de sete anos. Isso resgata o valor do ensino superior e da pós-graduação. O aumento, que foi em média de 50%, mostra que o governo Lula tem uma preocupação muito grande com a ciência e tecnologia.

Outro ponto importante foi o novo concurso público para nosso setor de ciência e tecnologia, anunciado nesta semana. A gente vê algumas instituições perdendo pesquisadores, perdendo profissionais que vão se aposentando, e, sem concurso público, as instituições vão perdendo a sua vitalidade. Então é fundamental que ocorram concursos públicos, principalmente nessa área de ciência e tecnologia, até para que os profissionais experientes possam estar repassando os seus conhecimentos para os novos profissionais. Essa é uma iniciativa muito positiva.

Outra coisa em relação à ciência e tecnologia é a disposição da ministra Luciana Santos. Ela tem visitado os institutos de pesquisa, esteve aqui no CNPEM. Houve um almoço em que nós do SINTPq participamos também. Isso mostra que nós do movimento sindical seremos ouvidos pelo ministério. Para nós, esse é um movimento muito importante porque o governo anterior nunca quis saber a nossa opinião. São ações relevantes e nós esperamos poder contribuir com propostas de políticas para nosso setor.

Em conversa com a ministra Luciana Santos, no dia 30 de março, o presidente do SINTPq destacou pontos importantes para a categoria e a CT&I nacional

• E nas questões trabalhistas, como as discussões sobre uma contrarreforma trabalhista, como você avalia?

Está muito incipiente. O governo Lula, desde a campanha, nunca falou que iria revogar a reforma trabalhista. Mesmo assim, nós esperamos que vários pontos daquela reforma de 2017, que tentou destruir a força do movimento sindical e dos trabalhadores, sejam rediscutidos. Nós esperamos que o governo Lula traga esse debate junto aos trabalhadores, para que a gente possa mudar vários itens que criaram empregos precários, atacaram várias questões referentes à saúde dos trabalhadores e criaram formas para que o negociado fosse mais valorizado do que o legislado.

Nós temos que rediscutir todo o processo da reforma trabalhista, porque a relação entre capital e trabalho é muito desigual no nosso país. Vemos cada vez mais o uso de aplicativos precarizando as relações de trabalho, além de outras tecnologias que deixam o trabalhador refém dos interesses da empresa, sem direito ao desligamento do trabalho. A própria inteligência artificial tem causado e vai causar um processo doloroso nas relações de trabalho, com setores dizimados pelo fim dos empregos. Então esse é um tema complexo que precisa vir à mesa para a discussão de um novo arcabouço das relações de trabalho.

Precisamos discutir a redução da jornada de trabalho, isso é fundamental. Não dá para se falar em uma nova fase das relações de trabalho se a gente não discutir esse absurdo de 44 horas de jornada de trabalho no Brasil. O SINTPq tem lutado por 35 horas semanais. Evidentemente, as novas formas de produção e a introdução de novas tecnologias tem aumentado muito a produção do trabalhador brasileiro. Mas, infelizmente, essa produtividade está beneficiando somente o capital, e não o trabalho. Então o governo tem que estabelecer rapidamente uma discussão na sociedade, com o movimento sindical, sobre o novo arcabouço das relações trabalhistas, para a gente não deixar o trabalhador ser massacrado como está sendo hoje no nosso país.

• E o que você tem achado do novo arcabouço fiscal, apresentado pelo ministro Haddad? Quais impactos você prevê que essas medidas terão para a classe trabalhadora?

O Hadadd fez uma proposta olhando a conjuntura do congresso nacional. O congresso nacional é muito conservador, é um congresso mais conservador do que o anterior, que aprovou o teto de gastos, que aprovou a reforma previdenciária, que prejudicou os trabalhadores, que aprovou a reforma sindical e que prejudicou quem produz as riquezas do nosso país. Então eu acho que a proposta que ele fez foi desenvolvida olhando para esse contexto. É uma proposta que, olhando e analisando as opiniões dos economistas, está muito aquém da necessidade de desenvolvimento do nosso país.

A proposta limita os nossos gastos a 70% da arrecadação, e o país precisa muito investir em educação, em saúde, em ciência e tecnologia para superar as desigualdades. Eu creio que essa proposta do arcabouço fiscal é insuficiente para dar conta de tantos problemas que o nosso país enfrenta. Por mais que seja a proposta possível pelo congresso que temos, o governo precisa superar essa proposta. Creio que é preciso avançar nos gastos públicos para recuperar o investimento no nosso país e recuperar as indústrias, sem isso não vamos superar as mazelas sociais que nós temos.

Eu penso que a reforma tributária também precisa ser discutida. Ela pode se contrapor ao arcabouço fiscal, que limita muito os nossos investimentos. Agora, como vamos superar esses desafios com um congresso tão conservador? Sabemos que os empresários e o agronegócio dominam o congresso nacional. Por isso, a expectativa para a classe trabalhadora não é muito boa. Apesar das dificuldades, esperamos que a habilidade e o poder de negociação já demonstrados pelo presidente Lula possam reequilibrar um pouco as forças frente ao congresso nacional.

• Você observa algum equívoco até aqui? Se sim, o que você acha que precisa melhorar?

Foram seis anos de destruição total das políticas públicas do nosso país, seja pelo governo Temer, que veio com a 'ponte para o futuro', que gerou a destruição de empregos, de direitos, das políticas sociais e da previdência. E depois ainda tivemos o governo Bolsonaro, que veio para destruir a democracia, colocar uma pauta moralista no nosso país, aumentando a violência, o crime, colocando uma sociedade cada vez mais desigual, tendo em vista os 33 milhões de brasileiros que passam fome, os milhões de brasileiros desempregados ou subempregados, ou trabalhando em situações precárias. E agora a gente viu diversos casos de trabalhadores na escravidão no nosso país. Eu acho que nesses 100 dias, considerando os seis anos de completa destruição, o governo lidou bem com toda essa situação, estabelecendo programas prioritários no combate à fome, no combate à miséria.

É um governo de reconstrução, e a gente espera que políticas para reconstruir sejam apresentadas sempre ouvindo o lado dos trabalhadores e da população. Então, a composição do governo foi a composição possível. Logicamente, a gente vê pessoas no governo que estão lá pela composição, tendo em vista o próprio Ministério das Comunicações, que atinge diretamente algumas empresas da nossa base. Entretanto, a gente espera que as políticas dos ministérios sejam implementadas pelo governo vitorioso, pelo programa que foi vitorioso nas eleições, é isso que o povo espera, é o que o movimento sindical espera. As políticas implementadas neste governo serão as políticas eleitas pela maioria da população brasileira, e não pelos acordos que porventura sejam feitos pelo congresso nacional.

Entendo que é fundamental o movimento sindical e o povo não saírem da rua. Isso porque, ao mesmo tempo em que a população elegeu o programa já mencionado, nós temos as forças conservadoras atuando contra. A própria mídia que já está batendo duro no governo e no programa eleito. Quando a gente vê empresas como Correios e Serpro sendo tiradas do programa de privatizações sabemos que o governo está fazendo o que ele se comprometeu no processo eleitoral. Quando a mídia trabalha contra isso percebemos que ela não quer respeitar a decisão do povo brasileiro.

É fundamental que o governo avance para recuperar a Eletrobrás e o sistema de energia do nosso país. Se deixarmos todo o sistema elétrico na mão de empresas privadas, será como tirar a soberania do nosso país. O estado brasileiro tem que dirigir e controlar todo o sistema elétrico nacional. Então precisamos lutar pela revogação da privatização da Eletrobras, que foi um crime, assim como a privatização e a entrega de várias refinarias construídas pelo estado brasileiro e entregues, inclusive ao mundo árabe, em troca de jóias recebidas pelo ex-presidente. É fundamental que esse debate na sociedade seja feito porque nós precisamos de um estado soberano, com poder de investimento e poder de indução do crescimento econômico.

Também temos essa questão do Banco Central, onde o presidente Lula bate de frente com a política de juros. Nós somos totalmente favoráveis a esse enfrentamento. A autonomia do Banco Central, que é fundamental para o crescimento econômico, foi gestada por um governo que era contra o crescimento, que era a favor da destruição do estado. Por isso, o governo federal e a sociedade brasileira precisam lutar contra essa independência. Temos que bater de frente contra essa política de juros que destrói empregos, destrói investimentos, destrói a capacidade produtiva das indústrias. Nisso eu concordo plenamente com o presidente Lula. O Banco Central é o banco do Brasil, banco do povo, e eles têm que estar alinhados com as políticas eleitas na última eleição.

 

por Suelen Biason - Comunicação SINTPq
Fotos (Lula e Haddad): Marcelo Camargo e Valter Campanato - Agência Brasil